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21.3.20

Geraldo Brito e a história da música no Piauí: entrevista, por Laís Lustosa


"O #Abraçaço chega em Teresina, Piauí.
Na foto, com o poeta Geraldo Brito em Teresina, em 1979"
Fonte: Caetano Veloso via Facebook

Geraldo Brito é uma pessoa de múltiplos talentos: violinista, guitarrista e arranjador desde a década de 1970. Ele fez a primeira versão de Go Back, de Torquato Neto e traz muitas influências de jazz e blues. É professor de violão e guitarra da Escola de Música de Teresina desde 1984.

O senhor acha que o piauiense tem consciência da história da música do Piauí, dos anos 60 pra cá?

G: Não, não tem. Hoje ninguém tem. Eu acho que agora, a partir da década de 2000, houve essa procura, está se formando mais essa coisa do apanhado histórico. A faculdade resgatando, os alunos indo atrás. Eu acho que a partir dessa década de 2000 a gente pode retomar isso. Eu quero lançar um livro com coisas que eu escrevi, informações dessas décadas passadas. Nos anos 60, começaram a aparecer os chamados conjuntos, depois passou a ser grupo, hoje é banda. Mas eles estão copiando, tipo cover, faziam uma banda para tocar música que ouviam no rádio. Eu acho que essa minha geração nem se preocupou com isso, bateu essa coisa de fazer tudo autoral, fazer composições próprias.

O senhor acha que os músicos piauiense de hoje tem preocupação em estudar música?

G: Há. Hoje tem mais essa preocupação. Por exemplo, no tempo que eu comecei e outros músicos bem antes de mim não tinham essa facilidade que tem hoje. Hoje você pega uma música que você se interessa, vai ver na Internet, está tudo divulgadinho. Tablatura, partitura, letra, do jeito que você quer. Vídeo aula, por exemplo, os alunos veem exatamente o que os músicos estão fazendo. Então, isso tem proporcionado bons músicos. Hoje só não toca bem quem não quer, basta ter uma inclinação para tocar. A nossa formação era percepção auditiva. Botava o disco com aquelas vitrolas que tinham a rotação 45 rpm. Hoje não, está tudo aí.

Dos anos 70 pra cá, quais foram as principais variações de estilo da música piauiense, que o senhor pode perceber?

G: Quando a gente começou a fazer música, no meio dos anos 60 começou aquela coisa dos Festivais universitários. E só aconteciam no Rio de Janeiro, São Paulo, aqueles festivais famosos onde apareceram Chico Buarque, Caetano Veloso. Mas a partir dessa década surgiram vários em várias outras universidades. E, com essa facilidade, com essa adesão e explosão dos festivais, ficou em alta essas músicas do Fagner, Belchior, Geraldo Azevedo, música mais regionalista. Então nós absorvemos essa informação, de ouvir essa música. A gente fazia muita música mais regional. Aí vieram outras correntes que faziam músicas tipo blues. Tinha a corrente que fazia mais rock’n’roll e corrente que fazia a MPB mais tradicional. Hoje tem pessoas que começaram a trabalhar com xote, com baião. Hoje já tem até maracatu que é um ritmo de Recife, de Pernambuco.

Na sua opinião, quais são os três maiores nomes da música piauiense nos anos 70? E quais são os três maiores nomes de hoje?

G: Eu gostava muito do Cruz Neto, do Magno Aurélio, que é compositor e do Aurélio com o Zé Rodrigues. Esses três eu gostava muito. Hoje, eu estou ouvindo muito as músicas do Wagner Lacerda.  Eu gostei do disco novo, é o primeiro que eu gostei.  Acho legal essa coisa meio nordeste meio rock’n’roll. E tem um disco agora que eu achei legal, de um parceiro meu, chamado Glauco Luz, cantado pela Carol Costa. É um disco muito legal.

Na década de 70, havia uma preocupação de intelectualizar as letras das músicas. O senhor acha que isso aconteceu no Piauí também?

G: Isso era uma coisa geral. Começou com o Geraldo Vandré, Chico Buarque. Isso lá em 68, só veio eclodir aqui nos 70. As músicas da época faziam protestos. Antes de um show, tinha que passar todas as letras e levar na polícia federal. Chegando lá, eles passavam uma semana pra julgar, pra censurar ou não. E na hora do show, aquela música que você mais tinha mais gostado, chegava a hora de tocar e havia a censura. Então isso marcou. Ainda bem que quando foi em 85, na época que o Tancredo era presidente, realmente acabaram com a censura. Apesar de nesse governo terem censurado o filme Je vous salue Marie, de um cineasta francês chamado [Jean Luc] Godard. Foi um absurdo, a Igreja entrou na questão. Viram o filme como algo muito pejorativo e houve essa censura. Mas de lá pra cá não. Semana passada, o Caetano Veloso chamou o Lula de analfabeto. Eu não gostei muito, apesar de eu gostar muito do Caetano. É o outro lado da liberdade de imprensa, coisas que você jamais imaginaria ver ou ouvir nos anos 60 até 80.

O senhor acha que os piauienses não valorizam a música feita aqui, os artistas locais?

G: É. Eu não vejo isso com tanto gosto como eu vejo com a música do Ceará. Você chega lá, toca muito, principalmente nas rádios, universitárias. Por onde eu ando no nordeste, eu vejo que toca bastante. Aqui que eu acho que não. A rádio Cultura toca mais, outras rádios alternativas… Mas, mesmo assim, ninguém se liga muito. Que isso mude, daqui pra frente, que haja mais procura, maior interesse nas músicas. Houve uma lei daquela vereadora, Trindade, na época que era vereadora dela que obrigava as rádios a tocarem 20% da programação de música piauiense.  Mas elas ficaram com raiva e não tocavam na programação normal, tocavam no domingo, num momento qualquer rapidamente. Agora até toca muita música brasileira, mas a música americana é bem mais forte. Mas mesmo assim, as rádios tocam uns forrós que vêm de Fortaleza, e não tocam nada da gente.

Quanto aos recursos técnicos disponíveis para gravação e distribuição da música piauiense, você acha que são satisfatórios?

G: Antes não tinha, mas hoje já tem vários estúdios, como o estúdio do Márcio Menezes, que fica lá na Morada do Sol, é o Bumba Records. Eu, por exemplo, estou gravando um projeto instrumental no estúdio da Rádio Pioneira. Hoje já dá pra fazer isso legal.

O senhor foi contemporâneo de Torquato Neto. Como o senhor avalia a contribuição dele para a música popular local e nacional como um dos expoentes do movimento tropicalista?

G: Eu fui contemporâneo assim, quando eu estava começando a fazer música, ele morreu, de maneira que eu só o vi de longe por aqui. Houve essa aproximação por parte dele com um grupo que estava fazendo jornal. Mas o interesse dele era de gente que estava começando a compor, e o Torquato saiu daqui logo. Tinha conhecido Caetano e Gil na Bahia, e daí surgiu o movimento Tropicalista com momentos muito marcantes naquela fase do Brasil, ao mesmo tempo em que faziam uma ponte com as coisas que estavam acontecendo lá fora, como os Beatles e Jimi Hendrix.

Como foi atuar no cenário cultural piauiense marcado pela censura militar?

G: Na época braba da ditadura mesmo, no tempo do AI-5, ano 68, não tinha ainda ninguém fazendo essas coisas. Quando se começou a fazer música, já estava no governo Geisel, tudo tinha censura. Então foi uma barra muito pesada que se passou. Tinha um jornal chamado Chapada do Corisco que acabou porque era muito perseguido. Se você tivesse um livro vermelho era censurado, tirado de circulação, porque se era vermelho, você era considerado socialista. Cheio de bobagem. Mas aí houve a anistia em 79. Já nos anos 70, o pessoal que tinha sido exilado começou a voltar.

O senhor sofreu algum tipo de represália nessa época?

G: Sofri, como eu já falei, fui censurado pelo governo. Fazia a música, mandava, ensaiva, e na hora eles não liberavam.

Mas eles diziam já na hora do show?

G: Por exemplo, hoje é sexta e o show seria domingo. Eu levo a música hoje, sexta. Liberavam ou não amanhã ou um dia antes. Já é sábado e não tem nem mais como ensaiar coisas novas. Era irritante por isso. Era uma coisa que violava os direitos humanos.

Eu vi que o senhor é formado em Administração pela UFPI. Por que o senhor resolveu seguir a carreira musical e não a carreira de administrador? O que pesou na escolha?

G: Eu comecei a compor em 72. Quando foi em 74 eu passei no vestibular. Foi uma época que a faculdade era uma coisa muito valorizada, todo mundo tinha que fazer. E eu também tinha interesse. Eu gostava de economia, queria entender economia, mas não tinha. O que mais se aproximava, onde a gente estudava teoria econômica, era administração. Não tinha nem o curso aqui, eu tive que fazer em Parnaíba, no campus da Universidade Federal. Quando eu estava no terceiro ano, a música já começou a ser algo muito forte. No terceiro ano, passei no vestibular para música, mas tinha que terminar administração. Mas a música me pegou mais de uma maneira muito forte. Hoje, não que eu me arrependa de ser músico, mas eu queria ter visto as coisas por um outro lado mais racional.

(...)

Geraldo Brito entrevistado por Laís Lustosa (laislm@hotmail.com)
Publicado originalmente em Entretenewsmento

17.3.20

Pérolas do finado Jornal do Piauí - Ovnis, por Renée Moura


Essa semana comecei uma pesquisa pro Pibic/UFPI no arquivo público de Teresina. A priori, devo analisar o antigo Jornal do Piauí, o finado JP, entre os anos de 1968 a 1972 e tentar detectar textos que tem algo a ver com a chegada da TV no Piauí. Mas não tem como passar batido por algumas coisas que aparecem por lá, desde os textos corriqueiros com um linguajar incrível dos nativos teresinenses da época ate matérias sensacionais, como a que vou transcrever a seguir.

Ainda não sei que fim teve o JP (quando achar algo a respeito, posto aqui), mas ele começa a circular por aqui em 30 de setembro de 1951 e era propriedade da empresa "Publicidade Teresinense Ltda". O diretor responsável era o jornalista José Vieira Chaves e na falta desse exercia a função Deoclécio Dantas, então diretor executivo do jornal. Em meados da passagem de 1968 pra 1969, Dantas já não aparece mais no expediente como diretor e passa a assinar somente algumas notas e uma coluna. Na época o JP custava NCR$ 0,20 no dia e NCR$ 0,25 quando era comprado com atraso. (eita... bons tempos!). As matérias nunca eram assinadas, como nos artigos e crônicas. Algumas vezes colocavam a fonte de onde retiraram a a matéria (como a que vem a seguir, que foi retirada do Jornal Estado de São Paulo). O detalhe é que naquela época não se preocupavam em fazer chamada de capa, só cortavam o texto ao meio e continuavam onde desse certo. Por isso demorei um pouco a entender a dinâmica do jornal (e começo a me incomodar profundamente lendo os jornais de hoje).

Bem, vou parar de enrolar e jogar a primeira pérola na escrita original. Não vou sacanear os escritos da galera, mas vou destacar em amarelo as partes mais "LOL" ou "WTF" e em vermelho as partes do tipo "saudade da aurora da minha infância". Vocês decidam o que dizer:

Jornal do Piauí - Teresina, 10 de dezembro de 1968

Discos Voadores Sob Debates
Manchete da capa 


A cada 2 horas, em algum lugar do mundo, é registrada a aparição de um disco voador. Isso não quer dizer que êles sejam inumeráveis, porque como voam muito depressa, vários registros podem referir ao mesmo disco. Entretanto, até agora já existem relatórios sôbre um milhão de aparições e só no Brasil, nesse ano, os discos surgiram 20 mil vêzes.

Quem afirma isso é o Instituto Brasileiro de Astronáutica e Ciências Espaciais e a Associação Brasileira de Estudo das Civilizações Extraterrestres, que estão realizando em São Paulo, no auditório das «Fôlhas», no 3° Colóquio Brasileiro sôbre os Objetos Aéreos não Identificados e o 1° Simpósio Nacional sôbre as Civilizações Extraterrestres

O presidente das duas sociedades, Flávio A. Pereira, fêz uma longa conferência explicando que os serviços secretos de todos os países, as  «CIAs», os «007» tentam há muito tempo desencorajar os cientistas que estudam as aparições de discos. O que sucede segundo os cientistas é, que os discos são capazes de bloquear grandes redes de energia elétrica, aparecem onde querem, mesmo sôbre bases secretas de lançamento de misseis e ninguém consegue nada contra êles. Seria por isso que quem descobrisse seu segredo poderia ter informações muito importantes e, assim, os governos das 2 maiores potências do mundo estudam os discos mas em segredo, tentando evitar que os cientistas e entidades civis tratem do assunto.

Um Disco Voador, a Cada 2 Minutos
Continua Quarta Página



Apesar dessas restrições, no Brasil estão sendo estudados, catalogados e identificados e os membros das 2 sociedades que tratam do assunto entendem que já sabem bastante sôbre os «objetos voadores não identificados.

As duas associações tratam do mesmo assunto, mas enquanto a Associação Brasileira do Estudo da Civilizações Extraterrestres é a entidade pública, que congrega todos os grupos estudiosos do País e divulga o que consegue saber, o Instituto Brasileiro de Astronáutica e Ciências Espaciais é uma entidade que quase não aparece, porque pertence a ela a «comissão confidencial». Essa comissão encarrega-se de levantar em sigilo os depoimentos sôbre aparições, guardando ainda o nome das testemunhas que, muitas vêzes, não querem que nada seja divulgado, porque podem passar por lunáticos.

No colóquio, estão representados todos os grupos que tratam do assunto havendo representantes de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Itajubá, Belo Horizonte, Guanabara, Manaus, Araçatuba e Botucatu, num total de 30 estudiosos.

Para a Associação faz muito tempo que os discos visitam a Terra; na Bíblia, Zacarias fala em um rolo voador e Ezequiel também teria visto essas naves. Os navegadores do fim do século XV também viram discos quando singravam os mares em caravelas, mas só há pouco tempo, com a melhoria dos sistemas de comunicações, é que puderam ser identificadas as grandes ondas de discos.

A primeira - são ainda os estudiosos da Associação que falam - teria surgido em 1897, mas a mais conhecida é a de agôsto de 1947, quando em poucos meses surgiram, só nos Estados Unidos, 2 mil discos. Muita gente acreditava que o aumento das aparições era cíclico de 20 meses, e com base nesses dados houve quem tentasse identificar a procedência, verificando de que astro deveriam vir, que estivesse a 26 meses de distância da Terra. Agora, entretanto, os discos não param mais de aparecer, e por isso a teoria caiu por terra, dizem.

Entretanto, desde as aparições de 1987 até hoje, os discos teriam mudado muito. Naquele tempo êles tinham rodinhas externas, houve alguns que se acidentaram, mas atualmente são homogêneos, quase todos iguais e muito mais evoluídos, a ponto de «acarretarem uma porção de rupturas com a física moderna». Assim, vão contra a lei da gravidade, a lei da inércia, contrariam a teoria do atrito com a atmosfera a grande velocidade, fazem manobras bruscas de mudança de rum que são consideradas impossíveis. E «desafiam a barreira energética atualmente conhecida, usando a energia fenomenológica, a energia radiante de que o espaço está repleto».

COMO SÃO OS TRIPULANTES?

Os estudiosos não concordam quando às intenções dos tripulantes dos discos; há quem ache que êles são hostis, já que houve casos de rapto e ataques, mas êstes casos são raros. A maioria concorda que as intenções são pacíficas, já que em caso de perigo os extraterrenos usam armas que paralisam mas não matamSe as intenções fôssem hostis, êles já teriam tomado a Terra, porque são capazes de apagar a luz de grandes áreas, de paralisar qualquer pessoa, de gerar campos de fôrça, e não se preocupam com nossas armas.

Depois de estudar milhares de relatórios e separar as «aparições verdadeiras dos depoimentos falsos», os estudiosos chegaram à conclusão de que os tripulantes são humanóides, que divergem entre si em estatura, côr, e também em comportamento. Entendem, entretanto, que as diferenças podem ser como as diferenças entre o branco, o negro ou o amarelo. Só na Suécia é que foram vistos monstrengos descendo dos discos. Isso foi em 1954Na França, ninguém sabe por que razão todo viajante interplanetário prefere descer de escafandro. Mas, no resto do mundo êles aparecem como são, isto é, verdes, brancos ou escuros. Têm desde 2 metros de altura até os mais baixinhos, de 1,40 metro. Na América do Sul, também por motivos desconhecidos, quem tem descido dos discos são tripulantes grandões, com 2 metros de altura.

Apesar de saber tudo isso, há ainda 3 perguntas não respondidas: de onde vieram, como vieram e o que querem.

Os membros da Associação entendem que ainda demora para se ter as respostas. Um dêles afirma que, quando o problema for resolvido, a ciência moderna pode ser destruida, porque "é uma ciência de efeitos e não causas e tudo o que se fêz até agora em astronáutica foi obra da tecnologia e não da ciência".

Somente na nossa galáxia, dizem os entendidos, existem 50 bilhões de estrelas - 8 por cento das quais têm um sistema planetário. Dêsses sistemas, pelo menos 3% têm condições para que neles haja vida. Por isso, afirmam, é muito pouco provável que o homem esteja sozinho no Universo e que seja a civilização a mais adiantada. Por tudo isso, os estudiosos reunidos no 3o Colóquio não têm dúvidas de que os discos existem, querem sòmente mais detalhes, mais estudos para saberem exatamente quem vem e o que querem. E enquanto os tripulantes dos discos não se dignam a explicar, êles continuam estudando. (do Jornal Estado de São Paulo)


Renée Moura

Via reneemoura.blogspot.com
Em 19 de março de 2010

10.2.20

Música do Piauí Anos 160, por Geraldo Brito

Inicio dos anos sessenta na Distanteresina, como diria o poeta Torquato Neto. Uma cidade até então calma, com uma ou duas avenidas e poucos automóveis. Mesmo assim, no aspecto musical, poderíamos observar programas de calouros e, vez por outra, a presença de uma astro ou estrela de renome nacional, sempre acompanhados pelo Regional Q3, conjunto pertencente ao quadro de funcionários da Rádio Difusora de Teresina, a pioneira no campo radiofônico da capital, uma vez que a primeira emissora de rádio do Piauí foi a Rádio Educadora de Parnaíba.

Como toda emissora que se prezasse, naquela época a Difusora possuía seu conjunto regional. Entende-se por conjunto regional: o agrupamento instrumental de música popular composto por dois violões, cavaquinho, bandolim, pandeiro, flauta, que surgiu na segunda metade do século XIX, através do flautista carioca Joaquim Antonio Callado, e que foi desenvolvido por outros compositores, entre os quais Anacleto de Medeiros. Com a aparição do disco elétrico em 1927, e principalmente do rádio em 1935, começaram a surgir os grupos de acompanhamento para os ídolos de massa do Brasil – os cantores. 

Voltando ao nosso convívio, o regional da Difusora era composto por: Antonio Simplício (acordeon), Carlos Guedes (cavaquinho), Panfílio Abreu (violão), José Maria Doudment (violão de 7 cordas), Bruno do Carmo (bandolim/violão). Outros músicos como: José do Baião (sanfona) e Chico Sanfoneiro tiveram participações neste regional, que acompanhava cantores piauienses, como por exemplo: Totó Barbosa, João de Deus, Delmir Chaves, Clemílton Silva, Dagmar Pereira, Telva Neide, Francisco Guimarães, Damasceno, Helena Núbia, Walcir Moreira e eventualmente José Eduardo pereira e José Lopes dos Santos (flauta), que compunham a diretoria da emissora. No decorrer dos anos cinqüenta e sessenta, o Regional Q3 acompanhou também estrelas de renome nacional, como: Ângela Maria, Carlos Galhardo, Núbia Lafayette, Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Sivuca, dentre outros artistas internacionais como: Juanito Venâncio, Bievenido Granda e Roberto Lazama.

Era tempo da Voz de Ouro ABC, uma espécie de festival a nível nacional que selecionava os melhores cantores de cada Estado, havendo depois uma finalíssima para a escolha do melhor cantor brasileiro. Tivemos participação nesse concurso de alguns intérpretes como Dalmier Chaves. Em 1960, surgiu a Rádio Clube de Teresina, que não tinha um elenco de músicos definido, como a Rádio Difusora, mas que eventualmente apresentava os seus programas com calouros, como analisa o músico Edilson Freire, que na época participava dos regionais e atualmente é tecladista no esquema da noite.

Em 1962 surge outra emissora de rádio. Desta vez a Rádio Pioneira de Teresina, fundada pela arquidiocese e que contribuiu bastante no âmbito musical, contando em suas instalações com um auditório para apresentações de programas de calouros e shows com astros nacionais. A nova emissora foi inaugurada com o seu conjunto regional composto por: Edilson Freire (sanfona), Ludimar (violão), João dos Santos (pandeiro), Chico Rosa (bateria), Carlos Guedes (cavaquinho) e Sansão (saxofone). Esse regional acompanhava também artistas como: Núbia Lafayette, Orlando Dias, Carlos Alberto, Alcides Gerardi e Vanderléia (em início de carreira).

Entre os anos sessenta e sessenta e três, um trio quebrava a monotonia da cidade e mandava ver uns bolerões bem conhecidos da época. Era o Trio Yucatan, composto por: Walter Sampaio, Silzinho e Mundicão. O nome do trio era uma homenagem à cidade de Yucatan, localizada no México, e foi sugerido por Miriam Lopes. Os rapazes logo conquistaram a cidade e eram os preferidos em festinhas de residências, de colégios e em gravações em jingles na Rádio Pioneira. Segundo Silzinho, Almeida Filho era quem empresariava o trio.

Aos poucos, a cidade foi se tornando pequenas para os interesses do trio. Em 1963 eles partem com destino a Brasília e São Paulo, chegando a gravar seis compactos e fazendo muitas apresentações em programas de TV, como no de Alfredo Borba na TV Excelsior. O trio foi desfeito em 1968, quando Walter seguiu rumo ao México, Mundicão fica em Brasília e Silzinho retorna a Teresina.
Em 1963, período de sucesso do Trio Yucatan, houve um recheamento de canções genuinamente piauienses como as de Levi Moura, irmão de Mundicão. Integrante do trio. É de autoria de Levi Moura a bonita canção “Você não Meditou”, interpretada por Rosinha Lobo nos anos 70 e que nos anos 80 foi gravada pelo piauiense Cabral Rios. Levi Moura foi morar no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1991, quando faleceu.

O ano de 1963 rendeu outro fruto musical, como o conjunto Os Milionários. Neste ano, a Polícia Militar do Piauí, que outrora tivera em seu quadro uma Jazz Band animando as tradicionais tertúlias do famoso Clube dos Diários, na pessoa do seu comandante coronel Torres de Melo, pede ao professor Luis Santos (pertencente ao quadro da Polícia) que crie um conjunto musical no sentido de realizar um elo entre o público interno e externo. O professor Luis Santos imediatamente agilizou a formação do conjunto que recebeu o nome de Os Milionários, numa justa homenagem ao compositor José Bispo. Os Milionários se tornou popular e o comandante, de tão grande entusiasmo, mandou trazer diretamente de Fortaleza a gravadora Orgacine, que, ao chegar, instalou-se nos estúdios da Rádio Pioneira. A gravação do LP teve prensagem na RCA Victor de São Paulo. Dentre as canções que compunham o LP estavam: “Baião da Saudade” e “Simplício e seu Clarinete”, (de Luis Santos); “Milionário” (José Bispo); “Linda” (Bruno do Carmo) e “Olha a Bossa” (Simplício). Esse histórico LP foi gravado em 1965 e Os Milionários era composto por: Simplício Cunha (saxofone e clarinete), Edilson Setúbal (piano solovox), Artur Pedreira (bateria), Lourival Marques (baixo), Bruno do Carmo (guitarra), Gabriel Oliveira (percussão) e João de Deus (cantor). Segundo as informações do professor Luis Santos, o conjunto atuou de 1963 a 1970.

Em 1964 um novo cantor conquista a cidade verde. Era Herbert Arcoverde, muito talentoso e de voz agradável de se ouvir. Ele animava os programas de calouros e participava do elenco da Prata da Casa que se apresentava antes de shows de alguns astros renomados. Nessa época, as rádios apresentavam programas em que os locutores perguntavam ao público se preferiam ouvir determinada canção ao vivo ou em gravação. Na voz de Herbert, se situava a preferência dos ouvintes.

De 1964 para 1965, surge outro trio para alegrar os teresinenses. Era o Trio Guarany, formado por Bimba (violão e voz), Chico (voz) e Jesus (voz). O Trio Guarany animava as festas, participava de programas e tinha uma atuação quase que constante nos realizados pela Rádio Clube.

Em 1965, chega a Teresina o baterista Barbosa (famoso por fazer verdadeiras acrobacias com as baquetas) e com ele o também famoso conjunto Barbosa Show Bossa, incendiando o salão do Clube dos Diários. Tinha a seguinte formação: Colombo (guitarra), Orion (sax), Estelita Nogueira (cantora), Ivan Bandeira (vibrafone), Zé (baixo) e o próprio Barbosa (bateria). O acordeonista Antonio Simplício também integrou o B.S.B.

No início de 1967, após alguns conflitos que normalmente ocorrem em grupos musicais, o B.S.B foi desfeito e para preencher o enorme vazio deixado por eles surgiu imediatamente outro conjunto chamado Sambrasa, composto por alguns músicos do extinto Barbosa e acrescido de outros que estavam vindo do Ceará. A primeira formação do Sambrasa foi com: Edmilson Morais (bateria), Zezinho Ferreira (baixo). Colombo (guitarra), Antonio Simplício (acordeon), Linhares (sax), Bossa (piston) e Vicente (cantor). O sucesso do Sambrasa foi o mesmo, culminando na gravação de um LP nos estúdios da Orgacine, em Fortaleza. O disco contou com a produção do empresário Aerton Cândido Fernandes, que também participava do LP com a composição “Turma do C2H60, título de um dos blocos famosos do carnaval teresinense dos anos 60. O LP do Sambrasa foi muito bem recebido pelo público local. As rádios executavam, a toda hora, diversas faixas do disco. Na época desta gravação, o conjunto já não mais contava com a presença do músico Antonio Simplício. Em meados de 1967, a cidade tornava-se ainda mais quente com a aparição de um conjunto tipicamente da jovem guarda. Surgia Os Brasinhas, provocando uma tremenda reviravolta por parte do público feminino. 

Os Brasinhas era constituído por jovens cabeludos, como mandava o figurino, e todos genuinamente piauienses. Compunha o conjunto, em sua primeira formação, os músicos: Ernesto (bateria), Chico (guitarra solo), Paulo Vasconcelos (guitarra base), Sidney (vocal) e Getúlio (baixo). Alguns meses depois, Os Brasinhas ganha a valiosa participação do guitarrista Assis Davis, um dos melhores músicos piauienses no que se refere à época da Jovem Guarda. Com a chegada de Assis, alguns meses depois, saem do conjunto Chico Vasconcelos e Ernesto, indo para a bateria o vocalista Sidney. 

Com esta formação Os Brasinhas conquistou, em pouquíssimo tempo, o público teresinense e de algumas cidades do interior por onde passava. O conjunto ainda contou com a participação do saxofonista Pantico, que permaneceu por vários anos. Paralelamente, surgiu Os Metralhas, resultante da saída de Ernesto e Chico Vasconcelos dos Brasinhas. Juntaram-se á Rubito (baixo), Mário Lúcio (guitarra base), Paulo Chaves (cantor). A estréia aconteceu em frente ao prédio onde funcionava a loja Útil-Lar. Neste dia, Fernando Chaves tocou guitarra solo, em lugar de Chico Vasconcelos. Após Os Brasinhas e Os Metralhas, foram surgindo, pouco a pouco, outros conjuntos como Os Lords, Os Tangarás, The Dandies, Os Fantasmas, The Sammers, Zé e Seus Quatros Azes.

Em 1967 mais um outro piauiense ganha destaque no cenário musical do país. Era Torquato Neto, um dos artífices do movimento Tropicália, juntamente com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Torquato Neto ainda hoje é destaque em jornais, como a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e em especiais de TV, como o que foi mostrado pela TV Manchete, em 1992, com a direção do cineasta Ivan Cardoso. Em 1969, um garoto fluminense, Jonh Júnior, lançava um compacto simples com músicas já conhecidas do público, como “Tudo Passará”, de Nelson Ned. Aos poucos nossa discografia foi aumentando.

Walcyr Moreira, B. Assis e César Bianchi eram os nossos compositores do carnaval. Eles gravavam suas composições em fita de rolo e divulgavam através das emissoras de rádio. As músicas eram bastante executadas e todos ligavam pedindo para ouvi-las.

Em 1969 existiu também em Teresina o conjunto Golden Girls, formado exclusivamente por mulheres. Este conjunto teve vida curta, embora tenha conseguido se apresentar em vários locais, como no auditório da Rádio Clube, onde futuramente seria instalado o da TV Clube. Neste mesmo ano surgiu na capital o cantor mirim Jurandir Vieira, causando uma grande sensação nos programas de auditório.

(...)

Geraldo Brito, originalmente publicado nos Cadernos de Teresina, Ano VIII, nº 17, agosto de 1994, p. 54 – 57, p. 54. Digitado e postado por Paulo Ricardo Muniz Silva, em seu blogue, em março de 2019. 

31.3.16

NO AUDITÓRIO DA DIFUSORA, Antônio Carlos Fernandes da Silva




…E aquela voz suave o auditório enchia
D'uma branda canção vinda de um peito brando...
E o microfone, é óbvio, pleno de ufania
Sorvendo tal voz plácida e após desfraldando-a.

E ela – a cantora – estrela única que luzia
Nos céus daquele palco, sorria de quando
Em quando, ao tempo exato que meu peito hauria
A afeição em dois lábios sorrindo e cantando...

Porém, nunca os seus olhos co'os meus se encontraram
P'ra extirparem a ânsia daquele desejo...
E quando desabrochava a boca, bem lançava,

Seu olhar lindo, lindos flertes que tragaram...
… E enquanto aos outros riam, nem sabia que, em desejo,
No fundo do salão, indigno a contemplava...

                                         

Antônio Carlos Fernandes da Silva
Teresina, 19/03/67
em Pétalas Negras (1967)

PORTAL DA CIDADE, Cineas Santos




Portal da cidade, a Praça Saraiva era o desaguadouro natural dos que chegavam a Teresina na década de 1960. Paus-de-arara, mistos, jardineiras despejavam passageiros empoeirados e sonolentos no meio da praça, enquanto os chapeados disputavam, no grito, a bagagem dos que tinham algo a transportar. Mocinhas ágeis e prestativas se prontificavam a levar o “chegante” à “pensão mais em conta”, nunca esquecendo de garantir ser o estabelecimento  “um ambiente totalmente familiar”. Quem vinha a negócio fretava carros de aluguel (jipe, rural-willys), mais pose que necessidade, já que as distâncias a percorrer eram pequenas. Os que necessitavam de cuidados médicos, quase sempre muito pobres, armavam redes sujas nos galhos das árvores em busca do refrigério da sombra. Os que vinham tentar a sorte – náufragos e deserdados – limitavam-se a zanzar a esmo como moscas tontas.

A praça era uma imensa feira livre onde se vendia quase tudo: de animais vivos a óleo de puraquê, “a farmácia que o freguês carrega no bolso”, garantiam os camelôs. Sem maior esforço, podiam-se encontrar ali especialistas nas mais diversas atividades: borracheiro, barbeiro, soldador, amolador de tesoura, cozinheiro, raizeiro, vidente e benzedor, sem contar a legião de marreteiros e descuidistas, prontos a engrupir os desavisados. Pedintes de todas as idades esparramavam-se no chão, recitando desgraças “de cortar coração”.

Numa manhã esplendente (2 maio de 1965), despejaram-me na Praça Saraiva. A poeira da estrada embaçava-me a visão e o medo latejava em cada milímetro do corpo. Por intuição, percebi o que me esperava: fome, indiferença, solidão. Uma cigana decrépita, cheirando a sarro de cachimbo, prontificou-se a ler-me a mão, mas uma das “agenciadoras de hóspedes” foi mais rápida e me arrastou para a Pensão Nova, na Paissandu. O cartão de visitas da pensãozinha era um inconfundível cheiro de urina que se fazia anunciar na calçada. Na portaria, um negro velho, com ar de mãe preta, fazia as honras da casa. Foi direto e conciso: “O pernoite, com direito a café da manhã, custa dois cruzeiros. Pagamento adiantado”. De posse do dinheiro, desmanchou-se em mesuras: “Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Eu sou que nem téu-téu: não durmo nunca!” e piscou, malicioso…

À noite, enfurnado num quartinho escuro e quente, sob o fogo cerrado das muriçocas, eu nem suspeitava que aquela ruazinha de aspecto sórdido fosse o caminho mais curto entre o Clube dos Diários e o prazer. Estrela, Fascinação, Amambay… Proxenetas, cafetinas, prostitutas, tangos, rumbas, boleros, perfume barato, bebida “batizada”, estrias camufladas, boêmios, bêbados, pedintes. A dois quarteirões da pensãozinha ordinária, diluíam-se todas as fronteiras. A Paissandu era o único espaço democrático da cidade: bem-nascidos e bundas-sujas dividiam, equitativamente, generosas rações de sífilis…

Aos poucos, a cidade mostrava suas múltiplas faces. Em meio às agruras, alguns encantos: o Parnaíba, o verde, as mulheres. Eu vinha de uma terra sem rios e sem lembranças de rios. Ver tanta água fluindo rumo ao desconhecido me pareceu um desperdício. O verde dos quintais me enchia os olhos: “um oásis sem deserto”. Quanto às mulheres… por elas, fiquei e não me arrependo. Com o tempo, a cidade foi-se adonando de mim, até me fazer esquecer que um dia morei em outro lugar. Teresina me basta.



Cineas Santos
Crônica de abertura de TERESINA PARA AMADORES
Livro ainda no prelo