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10.4.16

MISSÃO, Hardi Filho




Sob a grande nuvem
o clamor final.
Inúteis as máquinas
e os monumentos
ermos campos águas poluídas
cidades: jardins de cinza.
Na noite vazia
descerá das estrelas
um brilho incontemplado
e o dia nascerá para ninguém!
...........................................
Se os homens-antibióticos arquitetam
a noite incomum,
se os anti-homens constroem
                                    o dia nenhum,
o homem-Homem tem como missão
proteger o amor
construir casamata abrigo seguro
salvá-lo do caos, concorrendo
no caso
para que a vida recomece!



Hardi Filho
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

O MURO, Hardi Filho




A vida pinta no muro o vermelho
perigo a todo instante dia a dia
e pinta o verde, em céu azul, nuns ricos
bordados de pureza e fantasia.

Drama aventura evento a vida pinta
no muro o preto o amarelo o lilás;
refração de água e sol ela reflete
estas coisas indecisa entre ânsia e paz:

arco, armação, parábola, temores.

A morte pinta no muro outras cores.



Hardi Filho
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

"Nos fios elétricos", Halan Kardec Ferreira Silva




Nos fios elétricos
andorinhas descansam asas,
úmidas da viagem



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

"É grave o pássaro", Halan Kardec Ferreira Silva




É grave o pássaro
que me repropôs a paz dessa manhã:

só estar ali pousado,
grávido de um canto
mais triste que o meu silêncio.



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

"me resta olhar", Halan Kardec Ferreira Silva




me resta olhar
o tempo crispar as frutas
na bandeja sobre a mesa,
ou nas sacadas desses apartamentos
mirar as solidões destroçadas.



Halan Kardec Ferreira Silva
em BAIÃO DE TODOS
Antologia Poética organizada por Cineas Santos
Teresina, Editora Corisco (1996)

1.12.15

A POÉTICA DO HOMEM E OUTROS BICHOS ESQUECIDOS




Os olhos do poeta Hindemburgo Dobal Teixeira (1927-2008) brilhavam repletos de ternura naquela tarde, na qual ele, Cineas Santos e o autor dessas virtuais traçadas linhas, saboreávamos um cafezinho em sua casa, em Teresina (PI). De férias na cidade, morando em Brasília, sabendo que H. Dobal fora acometido pela doença de Parkinson, pedi ao CS que me levasse até sua casa.

Poeta consagrado, premiado, servidor público aposentado, cidadão do mundo que morou em Teresina, Rio de Janeiro, Brasília, Londres e Berlim, HD parecia feliz naquela tarde. Creio que isto aconteceu em 1994. Dobal indagou se eu queria café com açúcar ou adoçante. Diante a minha negativa, observou, com um sorriso sincero nos lábios:

"Você tem razão, doçura só a da vida".

CONVERSAMOS amenidades, dias depois eu voltei a Brasília, sem entretanto esquecer aquela frase ecoando na memória, que bem pode ser um verso: "doçura só a da vida".

O que mostra que Dobal não sofria da doença chamada alienação política, essa gente costuma creditar a vida as mazelas sociais e históricas que infernizam a odisseia humana, esquecendo que o verdadeiro inimigo não atende pelo nome "vida", mas pela alcunha "poder", a forma de como o "Estado" é organizado.

A vida é inocente. Como dizia Sarte, "o inferno são os outros".

SE DOBAL tivesse resistido um pouco mais, talvez sua viagem definitiva fosse prorrogada por mais tempo, pelo milagre das células-tronco, a grande esperança da revolução na medicina neste surpreendente século XXI.

H DOBAL debruçou-se sobre a existência humana, falando no "homem e outros bichos esquecidos", diz num poema. Nada escapou do seu olhar poético e crítico. Da solidão humana povoando a tarde, à solidão dos homens anônimos encharcando o dia.

Flashes da vida, retratos do cotidiano - Rio-Teresina-Brasília-Londres-Berlim - o atento olhar dobalino observou mudanças na geografia física da cidade - Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina, Os Signos e as Siglas (Brasília) - e nas paisagens humanas, produzindo uma poética onde não faltam mergulhos objetivos e subjetivos na condição humana.

A OBRA de HD dá uma sacudida dialética na cabeça e no estômago do leitor. Poeta de paisagens, tempo, gentes, lugares, dos rebanhos do tempo, do homem ou da vida simplesmente, Dobal ainda encontrou uma folguinha para criticar a poesia rimada e metrificada.

Mesmo quando escreveu ficção (Um Homem Particular), condimentou poeticamente a sua prosa, as vezes é um poema quase inteiro, embora com o final frouxo, aguado, prosaico.

O olhar atento do poeta registra mudanças na rota do tempo, o que faz de HD um cronista do tempo. A "Província" de Dobal é o mundo, mais ou menos como a aldeia de Marshall McLuan é a aldeia global.

A GLOBALIZAÇÃO do capitalismo começou no período das grandes navegações, no mercantilismo, quando o colonizador europeu transformou as populações nativas (chamadas índios) e povos africanos em mercadoria, mão-de-obra escrava.

Tudo isso consta do ideário poético de H. Dobal: os índios piauienses que foram massacrados (Acoroazes, Pimenteiras, Gueguezes, Tapuyas), ganharam um poema épico (El Matador), onde nomina um dos chefe da chacina, o tenente-coronel João do Rêgo Castelo Branco (1776-1780).

FALTOU o pistoleiro de aluguel, o assassino por encomenda de índios e africanos, o bandeirante Domingos Jorge Velho, que é nome de rua no país inteiro e de colégios, inclusive em Teresina.

DJV chefiou a expedição militar da monarquia que assassinou Zumbi dos Palmares (?-1695). Por todas os crimes que cometeu, sempre bem remunerado, DJV é considerado um "herói" nacional. Até quando?


Dobal exaltou heróis da independência - anônimos (Memorial do Jenipapo, "o sonho anônimo dos que morreram pela liberdade") e resgatou o histórico poeta piauiense Leonardo de Carvalho Castelo Branco ou Leonardo da Senhora das Dores Castello-Branco, que foi preso no Piauí, Maranhão e Portugal.

Em tempo: a vida do poeta e inventor Leonardo também deveria ser estudada nas escolas do ensino médio do Piauí e do país.

Não temos sequer um retrato de Leonardo. Lembro de algumas conversas que eu tive, na década de 1980, com o publicitário, letrista (tem obras-primas com o cantor e compositor Edvaldo Nascimento) e poeta Durvalino Filho, nas quais me dizia, empolgado:

"Vamos forjar um retrato do Leonardo".

A GRANDEZA ética e estética da poesia de HD parte do micro para o macro, da solidão para a alegria (me divirto lendo Serra das Confusões), da vida para a destruição da morte: a Poesia vive.

Dobal deu-se ao luxo de achar alguns dias inuteis, por ser um repórter do tempo, cuja poesia fotográfica não poupa o mal caratismo popular ou elitista.

A poética dobalina é uma radiografia da existência social, iniciando pelo começo, da Província à contemplação da paisagem, registrando universais tipos humanos.

NEM A gente simples e humilde com seus flagrantes de virtude e desvirtude escapou de suas retinas. As qualidades estéticas de HD já foram exaltadas por poetas e estudiosos da literatura. Entre eles Manuel Bandeira, Odylon Costa, filho, Álvaro Pacheco, Fábio Lucas, Cristina Maria Miranda de S. P. Correia, M. Paulo Nunes (grande contemporâneo e companheiro de Dobal), Almeida Fischer, Cineas Santos (anjo da guarda de Dobal, na fase aguda da doença de Parkison) e a professora Maria G. Figueiredo dos Reis.

LEMBRO bem daquela tarde, Cineas com o olhar fixo no poeta, eu bebendo café puro e Dobal sorrindo com seu jeito piauiense universal de ser, com sua ternura e humildade diante o mistério, se emocionando com o dia bonito pra chover.

Por que Deus não nos deu o poder de congelarmos o tempo nas retinas da tarde?


via blogue de Kernard Kruel