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16.1.16

O BAR DA ENCRUZILHADA, Deusdeth Nunes




Mais de trinta anos de existência. Rua 24 de Janeiro, esquina com Olavo Bilac. Maury Mauá de Queiroz. Sua maior patente foi ter sido presidente do Piauí Esporte Clube. É o ponto preferido de uma seleta freguesia cuja filosofia é ditada pelo seu mais legítimo e assíduo representante, o poeta e vendedor de imóveis Jamerson Lemos: “Lá ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo”. O Bar da Encruzilhada, nome dado pelo saudoso Eudes Pereira, tem suas regras rígidas, que são cumpridas à risca pelo “caxias” proprietário. Regra primeira: ninguém pode falar mal de ninguém que o Maury dá esporro. Regra segunda: Não aceita jogo de nenhuma espécie entre os clientes, especialmente porrinha. Diz que lá não é cassino. Regra terceira: Não serve a freguês que chega com instrumento musical, alegando que lá não é estúdio de rádio. Regra quarta: Não admite aparelhos musicais nem carros com sons tocando alto. Regra quinta: Não serve a clientes que chegam sem camisa. Diz que quem gostava de descamisado era o Collor e se deu mal.

Fiado tem, mas só para cliente-ouro, aquele que se serve, alta confiança. O limite do fiado é dado por ele. Sabe quando cada um pode pagar. Hoje o tira-gosto é a fruta da época mas já teve tempo que o próprio Maury fazia o assado. Diz que cansou. Maury distingue dois tipos de fregueses: o cotidiano e o ocasional. O ocasional é recebido com reservas, passa por um estágio de observação. Só é servido depois dos cotidianistas. Se um novato reclama do atendimento, ele esnoba, perguntando qual é o número da ficha dele e que aguarde a vez. Os diaristas podem até mudar o canal do aparelho de TV. Atualmente, o Maury já não bebe com os fregueses, mas já foi bom nisso. Hoje, dizem que em virtude de uma cirrose que o deixou alguns dias no hospital, ficou receoso de beber, embora garantam que ele bebe escondido. A cara do dono não é lá essas simpatias, mas tem vez que ele está com a macaca. Como da vez que o intelectual Rubervam Du Nascimento ligou para 222-6502 pensando que era o escritório do Jamerson Lemos, pois tinha anotado como tal. Quem atendeu o telefone foi o próprio Maury, que já estava por conta com o poeta por causa de um “prego”:

- Alô, o poeta Jamerson Lemos está aí?
- Meu amigo, aqui é do estabelecimento comercial do senhor Maury Mauá.
- Mas ele me deu este telefone dizendo que era só chamar, ele é freguês daí...
- Rapaz, freguês meu fica é na calçada!

E bateu o telefone.

Mas o poeta Jamerson não liga para as zangas do Maury e o imortalizou no seu livro-poema As Suburbanas...

Saltando de bar em bar
poisaram no Encruzilhada.
Noturnamente madrugada,
mas Maury ali está
e mete cachaça neles
e pede para fechar.



em em A SAIDEIRA: De bar em bar,
Teresina: julho de 1997

12.1.16

AS SUBURBANAS




Passeia no Subúrbio
meu Ócio. Dominga
paisagem. Distúrbio,
quitanda/pinga.
   Morre eletrocutado
operário na Ininga.


Segue o seu passeio o Ócio
tranquilo em sua ociedade.
Vê sapateiro com bócio,
casas de "caridade",
seguem Cachorra e Ócio
nos Subúrbios da Cidade.


Meu Ócio em cio-Cachorra
passeia a pé.
anda que nem a porra
no Itararé.
vê o velho povo
e a zorra.


Passa nos Três Andares
meu doce Ócio, meu bem,
e ali não há cismares ~
se conversa terra/mares,
a loucura dos Palmares,
a influência dos teares,
a via cega dos ares ~
cousas que nada têm.


Na Suburbana Redenção
passam o Ócio e a Cachorra ~
noturna caravana (Lei Arras)
pague-se de todo o coração
ao poeta~corretor a comissão ~
diz a cachorra e desamarra
o malote das costas e dá a mão
digo, a pata, ao Poeta e sarra
papo tantos de ilhas, penínsulas,
                        araras.
Tomam cervejas, canas, nessa rota,
   o Poeta se lembra que tem gota,
por fim, enfim, foi boa a farra.


Danado, corre e se persegue
como cachorro atrás do rabo.
Segue na frente e se segue ~
   é pouco de Deus e diabo.
Diz ter um livro no prelo,
   desliza liso em quiabo,
ignorante, doido e brabo,
passa no Monte Castelo.


Chega no Promorar
depois de passar no Saci
e ali não quis ficar,
conversa daqui,
conversa de lá,
come biscoito Pilar,
laranja Cliper
e a Cliper já não há,
entretanto, cabreiro, em pé,
toma café.


Pensa também Fratelli~vita
indo ao Parque Piauí,
(Fratelli~Vita não há.
O que é Fratelli~Vita?) ~
A Cachorra lhe pergunta.
Toma um gole de birita
Pernambuco Autoviária
Lhe surge à alma precária,
se lembra do Bongí
                          Camaragi
                                   be
                           Capibari
                                   be
                              Beber
                                  ibe


Saltando de bar em bar
poisaram no Encruzilhada.
Noturnamente madrugada,
mas Maury ali está
e mete cachaça neles
e pede para fechar.
O Ócio começa a chorar,
lembra do seu bom papá
da sua boa mamã,
também lembra da babá,
tem saudades da titia,
promete voltar um dia,
se piram pro Mafuá.


Descem no Mafuá
e voam para o Marquês
(direito de ir e vir.)
O Ócio doce, cortês,
declama os versos de Inês,
filosofa do porvir.
Pula o Ócio, pula pula
de alegria, cachaça, imbu,
se transforma numa mula,
(siriguela, tanja, caju,)
ali o bom pulula.
Pílula no Povo!
                      Pílula!


Vão à casa do Jair,
a Cachorra, já sem prumo,
resolveu tomar seu rumo
e dali se despedir.
Ócio sozinho se comove,
toma vat 69,
        tira gosto com couve,
delicia-se com Beethoven,
        tratado tal como Sir,
        pede para sair.


Depois de tanto trabalho,
Ócio sai do Itaperu,
Lembrando Caruaru,
que ali tomou Pitu,
e passa pelas "Malvinas",
vê um carro da Eturb,
(adeus, adeus, Primavera!)
devagar passa da ponte,
Nós e Elis lá defronte,
bebe um gim com vermouth
e chega ao Jóquei Clube.


Pois, bom, dali pra frente
mais nada o menino viu.
Não viu nem um navio
e ficou a ver navio.
(Menino de alma assanhada!)
Mas ali de tudo havia
e isto o menino via.
(Avia, rapaz, avia!),
uma via é uma via!
~ Ali não havia NADA.




em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)