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1.2.12

PRAÇA PEDRO SEGUNDO NOS TEMPOS DA LAMBADA


pernas à vista
pessoas indo e vindo, engraxates, cervejas
uma gatinha vendendo charme
meninos, amendoins e esmolas
olhos injetados
mãos amarelas vendem cigarros e bombons
uma turma de canas da civil
"lambada: botando fogo na noite"
em cartaz no cine rex
senhora com mais de quarenta vende espetinho à brasa
gordura fumacificada impregnando tudo
uma morena de seios lindíssimos
quatro mãos num diálogo de trejeitos
gays ao lado da banca de revistas
um bêbado diz que é o tal, que faz e acontece, e enche o saco
olhares de todos para todos os lados:
troca de projéteis silenciosos
fui atingido à altura do peito, mas já estou recuperado
um rapaz encabulado que tropeça
batedores de carteira relaxam na hora do descanso
(a hora do descanso é sagrada!)
doido varrido dorme na calçada do Teatro
sonha?
música em volume acima do suportável por uma vitrola rouca
caldo de cana
lambada para dar nos nervos de qualquer mortal razoável
paralisado um homem olha as formas da mulher que passa
gritos, assobios, acenos e copos contra a garrafa:
a disputa da atenção do garçom que, impassível, demora
o colega que tirou a tramela da língua após o terceiro copo
conversa animada
comentários diversos
um poste metálico no meio da praça:
herança inexplicável de um relógio digital que não vingou
especulações em torno do passado da praça
um casal que se beija
homem andando com toda pressa
trombadinhas perto da fonte
observação visual, táctil, gustativa e olfativa
observados patéticos
sons que muito lembram um inferninho
o próprio inferno
mãos que se tocam
palmadas nas costas:
demonstração de carinho ou virilidade?
impressos devorados por taciturnos leitores de prateleira
o bar do cuspe, à distância
uma turma de canas fardados
a galeria do Teatro, no local onde existia o bar Carnaúba?
anotação em papéis
convite para a inauguração de um bar
alguns vão ao Clube dos Diários
jornal das oito, seu Marcelino e A. Tito jogando conversa, Flávio na bandeja,
gente rara
um homem cuspindo a todo instante
motoqueiro sem noção do ridículo sobe a praça com sua máquina
e continua acelerando:
indisfarçável vocação para dono do mundo
a colega que só agora noto ser uma gata
conversa sobre o tempo e outras amenidades
convite para uma festa engajada e nas decências
colegiais de procedência indeterminada
lebres em pele de lobas
uma mulher com embrulhos
garota sensual usa saia curta estampada
picolés, pipocas e sorvetes
roupas coladas ao corpo
lua anunciando para breve encher-se de claridade arrasadora
o garçom que cobra a despesa além da conta
debates, negociações e acordos
pagamento em cheque
hora de levantar âncora
vamos em frente, a todo pano,
desbravar outras praias:
a noite é uma seda!


Manoel Ciríaco
em 145 anos: Teresina cidade futuro 
Teresina: FCMC, 1997