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15.10.18

TERESINA ANTIGA, A. Tito Filho


Nos festejos de São João acendiam-se inúmeras fogueiras e se enfeitavam as ruas de patis. Defronte do palácio do governo exibia-se o boi do Manoel Foguista. A cidade tinha mais casas de palha do que de telhas. Quase não havia muros nos terrenos, cercados de talos de buriti. Fabricavam-se cigarros de duas marcas: CONDOR e REI DE PAUS. Principais operários da fabricação: Antônio Cazé, Leônidas Carvalho e Domingos Ferreira. Fazedor de imagens de santos, Vitor. As quadrilhas nos bailes eram marcadas pelo funileiro Gervásio, de fraque. Fabricante de violão, Lourenço Queirós. BANDAS DE MÚSICA: a dos Almeidas, a do Azevedo, a de pau de corda, composta de violão, flauta e pandeiro, entre outros instrumentos, propriedade de Pedro Tonga. A professora de música Ana Bugyja Britto mantinha orquestra para tocar nas novenas e aniversários. As bandas da Polícia e do Exército exibiam-se nas retretas da praça Rio Branco, dividida em duas áreas, a da alta-roda, ou gente de PRIMEIRA, e  a de segunda classe: ÁGUA. Denominavam-se cargueiros os animais carregadores de água do rio para as residências, vendida de porta em porta. Pessoas ilustres apanhavam o precioso líquido no seus próprios animais. CAVALOS. O cidadão Boeiro, morador no Barracão, fundou uma escola para que os cavalos aprendessem a marchar, esquipar, trotar. Dia de domingo realizava-se corrida desses quadrúpedes do centro da cidade até a Catarina. Esporte dos ricos. Boeiro vendia fumo de corda. Homem de posses. Emprestava dinheiro até ao Estado em dificuldades. ARROZ. A primeira máquina de beneficiar arroz pertenceu ao cidadão Manoel da ria São José, hoje Félix Pacheco. Ainda trabalho se dava às pisadeiras, no pilão, iniciavam a tarefa pelas três da madrugada no bairro Vermelha. CABARÉS. Animados. Danças até de madrugada. Cada rapariga tinha sua alcova, com cama, rede, penteadeira. Serviço de bar. Mulheres sempre novas. Havia intercâmbio de prostitutas de São Luís, Fortaleza e Teresina. Principais lupanares: Rosa Branca, Raimundinha Leite, Gerusa, na década de trinta e quarenta. Famoso também o cabaré da Calu na Piçarra. No carnaval as meninas alugavam caminhão e participavam do corso pelas ruas da cidade. As mais aplaudidas pelos machacás. CINEMAS. Quando me entendi, eram 3 as casas exibidoras: Royal, para molecada, bancos de madeira, sem encosto, o "Olímpia", na praça Rio Branco, da elite. Muita elegância nas sessões dominicais. A princípio, fitas mudas acompanhadas de música por artistas da terra, e o Theatro 4 de Setembro, que inaugurou o cinema falado em Teresina, a partir de 1933. Depois surgiram o "Rex", o "São Raimundo", o "São Luís", o "Royal", segundo deste nome. Muito namoro em todos eles. Namoro forte. O Teatro e o "Olímpia" ofereciam, sábado e segunda-feira, respectivamente, entrada gratuitas as meninas da Escola Normal. Os gajos pagavam. Na escuridade das salas de projeção, nesses dias saudosos, vigorava a bolinação. Uma pouca vergonha, rapazes agarrados nos seios das garotas. Uma graça Teresina. Boa de viver. Inesquecível para os que a conheceram nas suas graças e atrativos.


via Jornal O DIA
em 04 de novembro de 1988

17.10.13

OS CABARÉS



Rua Paissandu via Bernardo Sá Filho


O lado cabaré merece uma referência que corresponda à sua importância, que esteja de acordo com o seu papel de destaque, com íntimas ligações e reflexos na vida da cidade. Aqui se pratica intensamente esta espécie de amor e o número de profissionais que existe, não só nos cabarés, mas também fazendo esse jogo do amor é grande. Um sociólogo apresentaria o fato como  índice de pobreza da cidade. Os cabarés ou pensões de mulheres, que têm menos o aspecto de bordéis, no mau sentido, do que de night-clubs ou dancings, ficam localizados em zonas determinadas e são mesmo chamados a "zona". Quase sempre tomam o nome das proprietárias: Raimundinha Leite, Maria Aguiar, Zezé, e são constituídos de restaurante, botequim, mesas ao ar livre, e o salão de danças, que é, às vezes, decorado com pinturas, obra de artistas simples e inspirados em motivos ainda mais simples: paisagens mansas. Têm orquestras próprias ou eletrolas com alto-falantes e as músicas, quaisquer que sejam, sofrem no ambiente a transformação de uma vaga nostalgia. Têm ainda uma cousa que lhes diminui a brutalidade ou a mesquinhez: não é claramente um comércio. Para o sucesso faz-se preciso certa dose de corte e de galanteio.

Um velho piauiense, que atingiu alta posição em um os poderes da República e que há anos não vinha a seu Estado, perguntava a seu sobrinho como era a vida noturna de Teresina. O rapaz, profundo conhecedor, com a experiência de muitas noites de rondas pelos lugares mais secretos, se excedia em detalhes. O figurão não continha o entusiasmo: "Nem em Paris, meu filho! Assim nem em Paris!". Talvez no seu entusiasmo estivesse muita saudade da terra e da mocidade, talvez estivesse sendo sincero, porque, na cidade, participam do seu sentimento quase todos os solteiros e muitos casados. Foi em um cabaré que dois jovens políticos festejaram, estrondosamente, as suas candidaturas a importantes cargos da administração pública. Entretanto não há necessidade de motivos: mesmo sem eles as comemorações se sucedem, as farras se realizam, os cabarés vivem cheios e constituem na vida da cidade talvez o maior centro de atração. As mulheres, com aquele ar inconfundível que as distingue imediatamente, são discutidas, tornam-se conhecidas e algumas chegam quase a se envolver em uma aura de lenda, como a Rosa Banco, que dava uns famosos bailes verdes em que todos os participantes se vestiam desta cor. Figuras que toda a cidade conhece e comenta, uma parte só conhece as referências, este material humano é de todos os tipos, se divide em escalas para todos os gostos ou possibilidades e, naturalmente, sofre a inconstância e as dificuldades próprias do seu gênero de vida. Há duas zonas principais: a da Rua Paissandu e adjacências, próximas ao Parnaíba, mais antiga, afada e numerosa, e a da Piçarra que tem a preferência de certo número de frequentadores, e onde se destaca a Casa Amarela.

em Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina 
Prosa reunida | Teresina: Plug, 2007 [1952, 1ª edição]