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20.10.18

"marco zero ereto", Renata Flávia


marco zero ereto no caminho das pessoas que vão ao mercado. marco zero ereto inaugura o primeiro ato, entre tuas torres, entre tuas pernas, amparo! em plena praça da bandeira te atravessa, te fecunda ao meio. entorpecida em engano, ritual tântrico, cria a cidade mal nascida restaurada em sexo de pedra e devaneio. as flores que afogam as fontes do jardim, ontem foram tua beleza, amparo. ontem quando na última hora do dia marco zero em chamas derramou-se em casa e calor para povoar beira de rio, beira de sonho, beira de cama. é mentira que o amor tem encontro marcado. é mentira, amparo! que teus olhos virgens foram os primeiros a tocar este espaço. teresina treme. teresina em chamas. brilhantes purpurinas de sol no parnaíba. já existia, amparo. todas essas sinas. antes desse amor interessado já existia vida.


Renata Fláviaenviado pela autora (lustredecarne.zip.net)

12.1.16

TERESINA ~ SÃO LUÍS ~ TERESINA




Teresina, você reduziu de ta~
manho, virou brinquedo, ma
quete de cidade daqui das nu
vens. Daqui de cima, você
pequenina passa e some dimi
nuta. Parnaíba~rio: risco
lírico no papel. Nossa Senho
ra das Dores, do Amparo, su
as espadas suas torres, espa
dam nossas bundas no céu. Te
resina limpa dominga azulada
verde mínima, daqui pego~te.


Tirirical da Cidade Antiga i
luminada de musgo e sol. Ao
contrário de Teresina, dila
tas na lupa da chegada. São
Luís, à medida que te sinto,
sinto pulsar forte tuas ve
ias; no ar te impero, te go
verno, frágil Ilha, no ar te
humilho. Ah velha Ilha! Doce
ilha de sal! Onde minha for
ça no teu chão? Miniatura on
de o gigante aéreo agora to
lo algemado transeunte? I
lha, meu passado te palmilha
espanto e encanto ~ brilhas
francesa menna, brilhas e
brilha meu amor nas tuas á
                                      guas



Jamerson Lemos
em NOS SUBÚRBIOS DO ÓCIO (1996)

6.11.13

PRAÇA RIO BRANCO, Renata Flávia


deus me renegando compreensão
com uma igreja de costas
para minha tórrida visão
de cara lavada de suor
o sol imprensando meu estomago
como duas mãos
eu inerte entre as luzes
que só ascendem quando paro
meu coração largado
meu coração


Renata Flávia
enviado pela autora

22.10.13

TER É SINA II, Elias Paz e Silva


cidade sem memória
sol e sombra do nada
sitia os deserdados

                  o fogo o terror nas casas de palha
                  os pedaços da doméstica
                  quarentinha bibelô nicinha

guerra silenciosa e
capital redistribui os espaços
da fome e dá forma à frei serafim

                  os anos fiados em miséria
                  perdidos à sombra do tempo
                  perpetuados à luz do dia
                  fabricados armazenados

teresina: claudino & cia
tajra tajra tajra taJRa tajra tajra

                  à igreja do santo negro
                  submersa em lendas
                  superpõe-se as torres
                  do amparo e a crença dos fiéis

paisagem artificial
se interpõe à brisa libertina
espigões tramam a colheita diária
de calor e cansaço

                  um monumento à morte
                  potycabana anfiarte
                  divisa a linha da vida
                  na miragem das coroas

ao lírico por do sol
avermelhando as cortinas
o rio se dá assoreado fulminado
entre navios sonâmbulos
paruaçu, rio de sonho, salve, salve.

                  um pescador de horizontes
                  senamora sete moças virgens
                  sobre o neon de natal da ponte

pára-raios vigiam o mito
coriscos já não riscam noite
não se pode dizer de lendas
antenas sensíveis decifram céu de enigmas


Elias Paz e Silva
via Recanto das Letras

17.10.13

TERESINA DO MEU TEMPO (A PRATA DA CASA)




Quando cheguei a Teresina, no início de 1923, para continuar os estudos iniciados na fazenda, frequentei o Ateneu Teresinense, do Padre Cirilo Chaves, e os cursos particulares dos professores B. Lemos, Douville Leal e José Amável, e ainda, paralelamente, tomei aulas de música e de violino. Por isso, apesar da pouca idade, pude de certo modo acompanhar o que se passava nos meios artísticos e intelectuais da cidade, os quais, olhados hoje da janela do tempo - é bom que se saiba - parece não terem nada a dever aos dias que atravessamos.

Teresina, por essa época, era uma cidade tipicamente provinciana, com seus costumes, seus preconceitos, seus mexericos, seus modos de terra pequena ainda cheirando aos matos onde a encravara, no meado do século anterior, o Conselheiro Antônio Saraiva. Mas possuía já uma vida artística, musical, literária, bastante intensa. As "Horas de Arte", festas domingueiras nas quais se apresentavam os amadores locais - a prata da casa - em geral elementos próprios da sociedade teresinense, se repetiam com frequência e agrado. Nessas reuniões, realizadas ora pela manhã, no Cinema Olímpia, depois da missa das 9 no amparo, ora à noite, no Teatro 4 de Setembro, ouviam-se solos instrumentais - piano, violino, flauta, bandolim, violão - números de canto e dança. Poesias eram declamadas, muitas vezes pelos próprios autores, e não faltavam os discursos nas festas comemorativas e cívicas. Ainda estavam em moda as conferências literárias, pronunciadas pelos intelectuais em evidência, sob os mais variados e inusitados temas: "A tesoura", "As mãos", "A luz", "As estrelas". Eu mesmo (naturalmente bem mais tarde) cheguei a escrever uma, jamais pronunciada e finalmente perdida, sob o título "O elogio da lágrima". Talvez influenciado pela tese de doutoramento de Alcides Freitas, médico e poeta piauiense cedo desaparecido, versando o mesmo assunto, embora até então dela só tivesse notícia, por constituir verdadeira raridade bibliográfica.

Já haviam desaparecido, no meu tempo, os grupos teatrais "Clube Recreio Teresinense", "Os Amigos do palco", "Os Talianos" e outros que, com certa regularidade, ofereciam dramas e comédias no Teatro 4 de Setembro. São dessa época as revistas "O bicho", "Frutos e Frutas", "O Coronel pagante" e "Jovita", todas de Jônatas batista com músicas de Pedro Silva. Ainda alcancei os "Amantes da Cena Viva", grupo dirigido ou orientado por Antônio Prado de Moura, o popular cantor Pintassilgo. Creio que foi por esse conjunto que assisti ao drama "Mariazinha", também da conhecida dupla, peça que muito me comoveu quando um dos personagens, em violenta cena de ciúme, enfiou uma faca no peito do rival e o sangue jorrou ensopando-lhe a roupa, enquanto este, cambaleando e sempre cantando com a mão no ferimento (ai, ai, ai) se estatelava no chão...

Os maiores animadores desses movimentos artísticos foram inegavelmente Pedro Silva e Jônatas Batista. Isso sem falar dos intelectuais e poetas, como Higino Cunha, Mário Batista, Zito Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Édison Cunha, os quais ainda que em outros gêneros, emprestaram o concurso do seu talento para o sucesso dessa fase brilhante da capital piauiense.

Convém lembrar também, com a homenagem do nosso louvor, D. Zila Paz, pianista, notável acompanhadora; Agripino Oliveira e Eudóxio Neves, flautistas; Alfredo Mecenas, Zenaide Cunha e Alzira Gomes, violonistas; Durcília Batista e Amália Pinheiro, bandolinistas; Carlindo Freire de Andrade, contrabaixista; Napoleão Teixeira, arranjador e regente. D. Adalgisa Paiva e Silva é outro nome que reverencio, de assídua e brilhante colaboradora, como pianista e diretora de bailados organizados com moças da sociedade, nos referidos momentos de arte. Os músicos que formavam os conjuntos orquestrais, muitas vezes de mistura com elementos amadores, eram requisitados dentre os melhores (e havia-os muitos) das bandas da Polícia Militar e do Batalhão do Exército.

Era também a época em que as principais residências tinham sempre um piano na sala de visitas, onde um ou outro membro da família ou visitantes faziam música tocado valsinhas seresteiras e tangos argentinos ou acompanhando improvisados cantores. Radagásio Maranhão e, um pouco mais tarde, Dionísio Brochado, são dois dos pianeiros mais conhecidos a brilhar nos saraus familiares de Teresina. O aperfeiçoamento do rádio e algum tempo depois a televisão acabaram com essa louvável tradição

As bandas musicais da Polícia e do Exército revezavam-se às quintas e domingo à noite nos coretos das praças Rio Branco e Pedro II. Ah! a poesia das retretas! A música a serviço da comunidade nas cidades pequenas... A música congregando, unindo, reunindo, divertindo o povo nas pracinhas acolhedoras... A música gerando amizades conservando as já existentes, distribuindo paz e alegria... O footing animado ao redor do coreto, os namorados que aí se iniciavam ao som dos dobrados patrióticos, das marchinhas festivas, das melodias cativantes pela própria beleza e não pela agitação frenética dos ritmos... Quantos casamentos resultaram desses namoros sob o feitiço misterioso da música! Depois da retreta, a cidade tranquila, sem automóveis e sem bondes, sem a trepidação da vida dispersiva e barulhenta de hoje, se recolhendo para dormir, mergulhada no mais profundo silêncio...

Teresina... Cidade Verde... Cidade Menina... Cidade Coração... Quanta saudade! Os banhos no velho Parnaíba... Os passeios de barco no Poti... As novenas de maio... Os saraus familiares onde o meu violino alcovitava, falando ou cantando baixinho aos ouvidos e ao coração das namoradas: Rosilda...Lourdinha...Maria Luísa...Maria... Ai, violino amigo, há outras Marias sim, mas não sejamos indiscretos. Engraçado: quando foi para casar, o violino fechou-se no seu estojo e nada fez. Nenhuma palavra. Melhor dizendo: nenhuma nota. Foi Santo Antônio, o casamenteiro, e na vizinha Flores, quem me arranjou aquela jóia morena que enfeitou e enriqueceu a minha vida durante cinquenta anos e que, para desconsolo no final da jornada, acabo de perder. Mas, com licença: o assunto é outro.

x
x  x

A descrição desses fatos e a citação desses nomes me deixam feliz pela a oportunidade de fazer justiça àqueles que inegavelmente terão influído na minha formação musical e decisivamente concorrido para elevar o meio artístico e cultural da capital piauiense, onde passei boa parte da minha vida. Eis por que transcrevo a seguir os versinhos que um dia me brotaram do coração e com que homenageei o confrade e amigo A. Tito Filho pela publicação do seu delicioso "Teresina meu amor":


RONDÓ À AMADA AUSENTE

Não quero flor nem brilhante,
Quero carinhos de amante
Para o mais fino louvor
A quem já nasceu prendada
- A ti, minha namorada,
Teresina meu amor!

Quando nós nos encontramos,
Logo nos apaixonamos,
Tu - princesa, eu - trovador.
Atirei-me nos teus braços,
Teresina meu amor.

Amor à primeira vista,
Não perdeu tempo em conquista,
Já nasceu triunfador.
- Formosa rosa trigueira,
Flor da raça brasileira,
Teresina meu amor.

Foi grande o amor que me deste,
E outro amante não tiveste
Com mais paixão e calor.
Em noites de serenatas
Dediquei-te mil oblatas,
Teresina meu amor.

Minha música, meu verso,
Cantasse o céu, o universo,
Tinham meu mel, tua cor.
Vivi de ti impregnado,
- Garotão apaixonado,
Teresina meu amor...

Assim vivemos, querida,
A quadra melhor da vida
Que me deu Nosso Senhor.
Mas em busca de outros ares,
Perdi-me noutros lugares,
Teresina meu amor.

Vaguei, sofri duramente,
Envelheci de repente,
Do azar da sorte ao sabor.
Tu continuas menina,
Áurea estrela matutina,
Teresina meu amor.

Tão bonita e tão faceira,
És muito namoradeira,
De amantes possuis um ror
Sei de um, escritor de fama,
Que em belo livro te chama
“Teresina meu amor".

Vivo morrendo de ciúmes,
Da saudade subo aos cumes,
Desço aos socavãos da dor...
Mas não te esqueço um momento,
Vives no meu pensamento,
Teresina meu amor.

Ó dona dos meus desejos,
Mando-te um montão de beijos,
Pois te amo seja onde for.
- Minha cidade menina,
Minha linda Teresina,
Teresina meu amor!
em Notas fora da pauta
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988

Café Avenida I, por Moura Rêgo


Jornal A Cidade - 07/08/951


Quando deixei Teresina, em abril de 1951, ainda havia dois bares muito concorridos na Praça Rio Branco - o Bar Carvalho e o Café Avenida.

O Bar Carvalho era também restaurante e sua cozinha obedecia ao comando de um espanhol gordo de nome Gumercindo. Nunca esqueci o sabor de alguns de seus pratos. E já que aqui se fala de música, lembro o famoso filé à Carlos Gomes, para mim sem igual até hoje. E a farofa de ovos de que só em falar sinto a boca cheia d'água? De ovos mesmo e não apenas de ovo. À noite fazia também sucesso o substancioso chocolate com gema de ovo batida, servido numa xícara enorme - um verdadeiro jantar.

Apesar dessas delícias, o ponto de reunião ideal para o grupo de amigos e intelectuais que me incluía, notadamente na década de 40, era o Café Avenida, onde só bebíamos o tradicional cafezinho.

Ficava ao lado da igreja de Nossa Senhora do Amparo, sempre lotada aos domingos pela manhã, na missa das 9.

Vale registrar que, durante muitos anos, a missa das 9, no Amparo, constituiu ponto alto na vida social da cidade. Lá estavam senhoras e moças nos seus melhores trajes e homens de terno e gravata, apesar do calor de 40 à sombra nos meses terminados em "bro". O coro, do qual fazia parte com meu violino nos dias de festa, oferecia músicas e cantos agradáveis, acompanhando os atos litúrgicos. Muitas vezes lá nos encontrávamos, Martins Napoleão e eu. Por isso Celso Pinheiro troçava, dizendo que éramos do partido da negra velha...

Fotografia publicada no livro "Ulisses, entre o amor e a morte"
de O. G. Rêgo de Carvalho

Terminada a missa, não resistíamos a uma parada no Avenida, não só para aguardar a "hora do almoço", na expressão local, como especialmente para o descontraído e divertido papo na roda já formada por Celso Pinheiro, Martins Vieira, Álvaro Ferreira, Ribamar Ramos e outros, entre os quais, embora menos assíduos, os Professores Pedro Torres e Cláudio Ferreira, ambos egressos do Seminário, e o serventuário da Justiça, mais tarde desembargador, Manuel Belisário dos Santos.

Estabelecimento de sírios, o Café Avenida congregava também, invariavelmente, os principais representantes da colônia árabe que tão bem se adaptou à vida e aos costumes da terra, emprestando a ela o valioso concurso do seu trabalho, da sua experiência e do seu sonho de vitória no comércio, na indústria e outras atividades lucrativas; integrando-se enfim na segunda e bela pátria que os acolhera sem discriminação e com carinho e onde seus filhos, pela constituição de novas famílias, com o tempo se tornaram parte ativa da comunidade, brilhando muitos deles nas profissões liberais, na política, no magistério e até na administração pública.

Azar Chaib, Elias João Tajra, Miguel e Elias Caddah, Tomás Tajra, Elias Hidd, Miguel Sady, e Saba, Said, Adad, Mualem, Kalume - eis alguns de seus nomes. Sérgio Tajra, o patriarca da colônia, creio que à época já se havia transferido para São Paulo, onde passou a morar depois do falecimento da esposa, Dona Adélia.

Sentavam-se em área separada, ao fundo do bar, aí formavam o que eles chamavam de "roda" e onde durante horas, nos momentos de folga, trocavam idéias sobre suas vidas e seus negócios. Um apenas se desgarrava às vezes do grupo dos patrícios - o simpático Wady, para vir à nossa mesa contar anedotas das quais só ele ria...

Anedotas e episódios de fino humorístico eram aliás constantes na nossa roda de amigos. De Celso Pinheiro, o grande poeta simbolista admirado e aplaudido em sua terra e fora dela, excelente conversador, e de Martins Vieira - para nós simplesmente o Júlio - espírito vivaz e brilhante, sempre de bom humor, sobretudo deles guardo muitos casos. E embora fugindo um pouco ao tema principal destas Notas, mas justificando-o com o fato de aí se discutirem tudo, inclusive música, aproveito a oportunidade para recordar algumas dessas passagens pitorescas, num preito de saudade aos queridos companheiros mortos.

Celso não gostava do presidente Getúlio Vargas. Responsabilizava-o pelas desventuras do filho, o jovem e inteligente Celso Pinheiro Filho, mais tarde advogado e prefeito de Teresina, cujas idéias e atividades políticas o levaram ao presídio na ilha de Fernando de Noronha.

Certa manhã, ao acercar-me do grupo, meio atrasado, Celso Pinheiro foi logo me dizendo:

- Poeta, você não quer ver o Getúlio trabalhar no cinema? Deve ir, você é um Getulista.

Estranhando a sugestão, indaguei se se tratava de algum documentário importante, com imagens de realizações do vigente Estado Novo. Respondeu que não; tratava-se de filme em que o Presidente figurava como principal personagem, como ator mesmo.

Mais intrigado ainda, apanhei o programa do dia, que o Cinema Olímpia, ali pertinho, fazia distribuir sobre as mesas do bar. O título do filme era "Um espertalhão de marca maior". E Celso garantia, convicto:

- Só pode ser o Getúlio!



em Notas fora da pauta
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988


Café Avenida III, por Moura Rêgo


Jornal A Cidade - 07/08/951


No Café Avenida também fazia ponto, quase todo dia, o Padre Acilino Portela, virtuoso pároco da matriz do Amparo. Era aí que, bebendo repetidamente seu cafezinho, sempre na mesma xícara, ele tomava dinheiro dos comerciantes, industriais, fazendeiros e outras pessoas, conhecidas ou não, para obras de reconstrução da igreja, que encontrara caindo aos pedaços. Homem simples, de palavra singela, era, entretanto, estimado e respeitado por todo mundo. Sermões monótonos, repisados e entremeados de uma palavra cacoete, nem por isso suas missas eram menos concorridas. Pelo contrário: aos domingos, na missa das 9, a igreja se tornava pequena para comportar os que nela se comprimiam.

Num desses sermões, o vigário falava, com visível aborrecimento, de certa pessoa que fora levar a D. Severino informações malévolas sobre seu modo de vida. E contava que o bispo, de quem recebera chamado, lhe manifestara não achar correto que ele, Padre Acilino, passasse os dias sentados num botequim, de pernas cruzadas e fumando cigarro. Mas fora franco - contava - como é do seu feitio. Confirmara as informações, justificando que, perdida sua mãezinha e não sendo casado nem podendo pagar empregada, não tinha quem lhe fizesse café; e como fosse o café sua única bebida, depois do vinho da missa e da água do pote, via-se obrigado a tomá-lo no bar, sempre pago pelos amigos por não ter dinheiro. E quanto ao cigarro, que o senhor bispo aconselhava usar mais recatadamente, afirmara não ser homem de fazer escondido aquilo que pudesse ser feito em público. E como não julgasse pecado, continuaria a fumar na presença de todo mundo e não detrás da porta, mesmo porque o cigarro também lhe era dado por amigos. E mais: dissera que passava os dias no bar para arranjar dinheiro para as obras da igreja, porque a diocese nunca lhe dera um tostão, para isso ou para qualquer outra coisa. E com isso encerrou-se a entrevista.

Padre Acilino repisava seu cacoete num crescendo nervoso, realmente aborrecido:

- Mas justamente eu sei quem foi fuxicar para o senhor bispo. Eu sei o nome dessa pessoa que justamente devia era melhor cuidar da sua vida e deixar a dos outros em paz. É gente que aqui mesmo vive batendo no peito, sem fé nem espírito crisão, e o que devia fazer era justamente tratar de ter mais merecimento junto a Deus. Mas eu sei quem é essa pessoa.

E alterando mais a voz:
- Eu sei quem é. Estou quase dizendo o nome dela! Justamente estou até sentindo cócega na língua. Vou acabar dizendo o nome dessa pessoa!

Toda a igreja ria. Menos decerto a pessoa de quem falava e que ali devia estar tremendo e rezando para não ser revelada.

Deixado em paz, pelos detratores e pelo bispo, Padre Acilino pôde concluir as obras de restauração de sua igraja, deixando apenas para seu substituto, Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves - ou simplesmente Padre Chaves, como gosta de ser chamado - a construção das altíssimas e esguias torres que hoje identificam de longe, nas vistas terrestres ou aéreas, a imponente matriz de Nossa Senhora do Amparo.



em Notas fora da pauta 
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1988

2.12.12

PONTE METÁLICA, Marcos Freitas


por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

14.12.11

Rua da Glória, Graça Vilhena

para o poeta Paulo Machado

paisagem de sol nascido
na estação do trem
cerzindo os dias
sobre as pedras da rua
que abrolhavam luz

manhãs tangiam beatas
palmolivelmente
para a missa do Amparo

senhoras varriam calçadas
recolhiam leiteiras
e caçavam histórias
com as suas línguas de camaleão

no mercado central
as verdureiras arranjavam
buquês de cheiros-verdes

e mais além
mulheres permaneciam
sem hora de seus dias
dissolvendo-se em transparência
nas escamas do cais


em PEDRA DE CANTARIA
Teresina, Nova Aliança e Entretextos, 2013

31.8.10

O MERCADO CENTRAL DE TERESINA NA HISTÓRIA, Reinaldo Coutinho


Ele faz parte da própria vida da cidade de Teresina, ao lado de magníficas construções oitocentistas da Praça Marechal Deodoro ou Praça da Bandeira. Quem dentre os teresinenses nunca andou no entremeio das bancas e quiosques de verduras, carnes, ferragens, utensílios domésticos e artesanatos do Mercado Central de Teresina, também conhecido como Mercado Velho ou Mercado São José? Antes da eclosão dos supermercados por ali as famílias, geralmente carregando sacolas ou cestos de fibras, escolhiam criteriosamente as melhores frutas e verduras e as carnes mais frescas, sem esquecer a pechincha. A urbe teresinense já gravitou em torno dele, que continua sendo um ponto de referência histórico, cultural e alimentício da Cidade.

Os alicerces do Mercado Velho foram implantados com a própria edificação da cidade pelo Conselheiro José Antônio Saraiva (1823-1895) em 1852, no então ponto de gravitação urbana da Cidade, a atual Praça da Bandeira. O logradouro foi chamado inicialmente de Largo do Palácio em alusão ao Palácio Governamental aí localizado. Depois, passou a denominar-se de Praça da Constituição. Mais tarde, Praça Marechal Deodoro da Fonseca, denominação que permanece nos dias atuais (FUNDAC). Claro que no seu início o velho mercado era uma simples feira que rapidamente se transformou numa robusta edificação.


 IMAGEM DE 1910 DA PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO. VEMOS O MERCADO CENTRAL (1), ANTIGA SEDE DO GOVERNO PROVINCIAL E HOJE MUSEU DO PIAUÍ (2), ANTIGO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E HOJE LUXOR HOTEL; IGREJA N.S. DO AMPARO AINDA SEM AS TORRES, CONSTRUÍDAS SOMENTE NOS ANOS 1950 (4). FOTO: G. MATOS, ACERVO DO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO

UMA IMAGEM BASTANTE ANTIGA, DO INÍCIO DO SÉCULO XX DO MERCADO CENTRAL, 
OBSERVANDO-SE AS PORTENTOSAS E SIMÉTRICAS ARCADAS /  IMAGEM: FUNDAC


Segundo a FUNDAC, o Mercado apresenta com a tipologia organizacional de uma antiga feira, com um pátio central e corredores internos e externos, destinados a lojas e açougues. Com traços arquitetônicos imponentes marcados por seus arcos em sequência e paredes de grande espessura, característica da arquitetura românica, atualmente encontra-se descaracterizado e “mascarado” por elementos construtivos que o fazem passar despercebido.

Consta historicamente que o edifício foi construído pelo doador do terreno logo após a fundação da Cidade, Sr. Jacob Manoel de Almendra Junior (1796-1859), Tenente-Coronel Comandante do 1º Batalhão de Infantaria.

Segundo a FUNDAC, com o passar dos anos sofreu várias intervenções, desprovidas de preocupações estéticas em preservar o seu estilo arquitetônico original, estando assim bastante descaracterizado. Permanece, entretanto, como um grande centro de comercialização dos mais variados produtos oriundos do território piauiense e de outras regiões brasileiras.

A edificação compreende atualmente uma quadra inteira, em parte com dois pavimentos, e abriga ainda em seu entorno pela Rua João Cabral um oceano de barracas dos mais variados produtos, notadamente alimentícios. Tem sua frente voltada para a Rua Areolino de Abreu; os fundos para a Rua Lisandro Nogueira (ex Rua da Glória), o lado direito para a Rua Riachuelo e o lado esquerdo para a Rua João Cabral. Inúmeras construções nas quadras vizinhas do mercado também orbitam em função de sua atratividade histórica.

Em virtude do espaço físico, o Mercado Central não pode mais se expandir, contrastando com o desenvolvimento e crescimento da cidade. Em consequência, sua expansão vem sendo feita através de barracas que se espalham em torno do velho mercado e no prolongamento das ruas que lhe dão acesso (FUNDAC).

Houve uma série de ampliações e ainda construção de anexos, provocando descaracterizações arquitetônicas ao longo das décadas, e hoje o Mercado abriga, além das atividades usuais, lanchonetes, restaurantes, sapatarias, lojas de artesanato, farmácias, lojas de redes e confecções, além de incontáveis barracas dos mais variados produtos no entorno de sua quadra.