Mostrando postagens com marcador palha de arroz. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador palha de arroz. Mostrar todas as postagens

2.12.15

SÃO PIAUÍ (1977) - Clodo, Climério e Clésio



Lado A

01 - 00:00 - A noite amanhã o dia (Climério)
02 - 03:31 - Cebola cortada (Petrúcio Maia/Clodo)
03 - 06:48 - Cantiga (Clodo/Clésio)
04 - 09:35 - Conflito (Petrúcio Maia/Climério)
05 - 11:22 - Folia ou pressa (Clésio/Augusto Pontes)
06 - 14:02 - Ilha azul (Clodo)

Lado B

07 - 16:26 - Zero grau (Clésio/Climério)
08 - 20:12 - Palha de arroz (Climério)
09 - 24:06 - Cada gesto (Clodo)
10 - 27:26 - Céu da boca (Clodo/Climério)
11 - 29:45 - Nudez (Clésio/Clodo)
12 - 33:25 - São Piauí (Bê/Climério)

(...)

ILHA AZUL | Clodo

quando eu saí
lá do Piauí
caboclo novo que nem vaquejava ainda
eu curti muito o Rio Parnaíba
levando toco de madeira e balsas
até que um dia eu vim parar aqui
nos olhos verdes da mineira clara
nesta cidade
esta maquete viva
feita de sonhos de um herói sem nome

um dia
quem sabe noite
de um mês qualquer
a gente grita laços fora e vai
falar da nossa vila
nossa ilha azul

(...)

PALHA DE ARROZ | Climério Ferreira

o rio beirando a rua
num arremedo de cais
o vapor de Parnarama
chegando de Palmeirais
o velho homem do porto
de olhos postos no rio
sentindo todo vazio
de sua pobreza em paz
Maria boca da noite
na Pensão Familiar
tem nos olhos de manhã
a luz clara do luar
cadê teu povo noturno
teu povo maior maria
teus operários da noite
nas oficinas do dia
ali onde habitou
a rua cheia de tédio
hoje mora outra dor
feita de casa e de prédio
já nem sei se essa rua
realmente existiu
ou se foi obra
de algum bêbado
num acesso de poesia
vendo no rio
outro sonho
mais refletido que a lua
inventou um cais tristonho
e os habitantes da rua
vendo no rio
outro sonho
mais refletido que a lua
e inventou um cais tristonho
e os habitantes da rua

(...)

SÃO PIAUÍ | Bê e Climério Ferreira

vem comigo menina
vem comigo aqui pra São Paulo
pra são pulo! – vem pra São Piauí
aqui tem um ar de Europa
um cheiro novo de África
tem operário a galope
sob o aboio da fábrica
tem boi de ferro e fumaça
na massa deitando a morte
de sorte que o centro-sul
desse estado dá no norte
no asfalto tem uma pedra
tem uma pedra no asfalto
que de repente num salto
se desfaz na boca
o beijo que se desprega
da nossa garganta louca rouca
poluída de calor
vem pra São Piauí
que a vida começa aqui
no viaduto do chão
por que não?
ou no riacho do chá.


(...)

Clodo, Climério e Clésio
LP São Piauí – RCA Victor – no. 103.0208 – 1977
Gravado no estúdio A da RCA Victor em São Paulo
Direção Artística – Osmar Zan
Coordenação artística e direção de estúdio – Ednardo
Arranjos e regência – Mário Henrique
Participações de Amelinha (vocal em “Cada gesto”) e Robertinho de Recife (guitarra e viola)

6.9.14

OS DOIDOS DA MINHA MEMÓRIA, por Edmar Oliveira


Manel Avião, Manelão, avião, ão, ão. Vrummmmm. E lá se ia Manel conduzindo um avião imaginário na mão direita, que já, já, virava asa e, abrindo os braços em duas asas, Manel era o próprio avião, que encantava os meninos que viam o Manelão como cena de cinema que ele fazia o voar na imaginação. Manel voava de verdade. E a lenda se espalhava na cidade. Na Piçarra, diziam, invadiu uma casa e roubou um rádio. Na Palha de Arroz seduzia meninos e meninas, que as mães zelosas não deixavam chegar perto do avião. Podiam ser levadas pra longe e se perder na escuridão da noite. Manel contava histórias. Histórias de cinema que se passavam em Teresina. Não sei que fim levou. O avião, com certeza, lhe levou embora...

Nicinha, pequenina, enfeitava-se de fantasias de carnaval durante todo o ano. Todo dia, toda aglomeração, discurso político, conversa de bêbados, papo de vagabundos, qualquer ajuntamento de gente fazia aparecer o pipoqueiro, o sorveteiro e Nicinha. E aí vinha ela. Numa elegância exagerada, maquiagem intensa, óculos de gatinha, fita colorida no cabelo, vestido de tafetá azul celeste. Qualquer que fosse o dia do ano Nicinha vestia a fantasia da terça gorda do Carnaval. Me encantava a sua presença. Era a marca de que o que estava acontecendo tinha importância. A porta do Teatro, o Bar Carnaúba, a Pedro II, o Café Avenida, eram lugares que só existiram pela presença de Nicinha. Me contaram que teve uma morte violenta com requintes de crueldade. E o criminoso nunca foi encontrado. Quem poderia fazer mal a um beija-flor tão bonito? Mas na minha infância tinha menino que engolia coração de beija-flor pra ficar guabes. Guabes, pra quem não conhece piauiês, é ficar com boa pontaria na baladeira. Baladeira, um piauiês tão bonito, é estilingue ou bodoque noutras pronúncias. E Nicinha e o beija-flor nunca fizeram mal a ninguém, mas morreram do mesmo jeito...

Bibelô era um bibelô. Genial quem inventou o apelido. Era um homem pequeno e delicado que se vestia de mulher, mas de forma tão fina, delicada, suave, diria mesmo harmoniosa. Não tinha o exagero de Nicinha. Era uma espécie de Carmem Miranda contida, pois que não tinha o exagerado da notável. Seus balangandãs, quinquilharias, indumentárias e adereços não agrediam aos olhos. Mais parecia um Matogrosso no início de carreira nos Secos & Molhados. Às vezes um turbante lhe tornava palestino. Uma maquiagem discreta fazia aparecer a Maria Bonita. Lembro da tristeza nos seus olhos. Aparecia e desaparecia nos portões, nas casas, nas mercearias. Pedia um café. Comentava alguma coisa e ia embora. Parecia não querer incomodar com sua presença. Mas assim mesmo tinha inimigos implacáveis que o perseguiam. Lembro de alguns de seus machucados provocados por agressões. Ele incomodava por ser diferente de tudo. Não era um travesti transformado pelas roupas femininas. Parecia um Rodolfo Valentino maquiado para entrar em cena. Não sei quando saiu de cena da cidade. Por certo com a discrição que o caracterizou...

E outros existiram. Mas estes marcaram minha existência de forma decisiva. É como se eles reafirmassem Teresina dentro de mim. E na cidade de minha infância, embora pequena, nunca encontrei os três no mesmo espaço. Cada um tinha seu pedaço de cidade para fazer sua aparição e performance. Só consigo reuni-los na memória: Bibelô dos olhos tristes, Nicinha com alegria estampada no corpo pequenino de beija-flor, Manelão voando no céu azul intenso das nuvens de algodão da cidade verde...





28.2.12

TERESINA NA DISTÂNCIA




O rio
   palhoças nos beirais
      pavios de castiçais
         anos cinquenta

Teresina
   dos incêndios corriqueiros
      - lamúrias ao vento

Vermelha Tabuleta
   Palha de Arroz ou Barrinha
      na faísca mortal
         da fênix

Bairros pobres
   do puxa-encollhe
       ancas nas ruas
          e a vida porre
              a escorrer pelo rio

O tempo andou devagar
   Depois das enchentes
      gente de todo lugar
Ah! - que a primavera não tarde
   para as perdizes transparentes



Hélio Soares Pereira
em Passarela de escritores (coletânea)
Teresina: Edições Jacurutu, 1997

4.2.12

BARRINHA QUE JÁ SE FOI, João Ferry


Barrinha, minha Barrinha
Viraste Palha de Arroz!
A palha não era minha
O rio levou depois

O rio, assim como o vento,
Depressa doido ficou.
Não houve chuva a contento
E o rio também secou.

Quando houve chuvas a granel
O rio sem paciência,
Cumpriu seu triste papel,
Levou tudo sem demência!

Na Vermelha, do Laurindo
Tanta gente brincou lá,
Que a Vermelha foi caindo
Descendo pro Mafuá:

O Mafuá cresceu tanto,
Mas, fez tantas confusões,
Que se acabou por encanto,
Como os bons Três Corações

Buraco da Velha foi
Também zona de alegria
Mas, adeus Bumba-meu-boi
Busca-pés e cantorias

O querido barrocão
Que nos deu Doutor Boeiros
Sucumbiu-se, foi ao chão
Dando vida aos Cajueiros.

Minhas saudades, porém,
Confesso, não me dão trégua,
Quando na mente me vem
O sol da Baixa da Égua.

São Raimundo! São Raimundo!
Frautas, luar, sonho e farra,
Virou poeira no mundo
Trazendo após a Piçarra!

Poti Velho, Teso Duro!
Poções, Noivos, e o Pau-Dágua!
Vamos ver, se temos furo,
Sem ter choro, sem ter mágoa.

Catarina e São Joaquim
Matadouro e Pirajá
Passeios bons do Angelim
Já não existem por cá.

Já não tem rua do Amparo
Nem da Estrela, nem da Glória,
Tudo mudou sua história.
Ficou tudo ao desespero!

Tudo se foi - Retrocesso!
Com fonte rara e divina
Veio em seguida o progresso
Engalanar Teresina.

Pedro Silva! Hoje tudo
Tudo! Tudo é diferente!
Tudo é grande e não me iludo,
Só nós dois somos gente!

Até mesmo a Não-Se-Pode...
Também assim é demais!
A nossa alma não sacode,
Ai, nunca mais! Nunca mais!


João Ferry
em A GERAÇÃO PERDIDA

de M. Paulo Nunes
São Cristovão/RJ: Artenova

23.12.11

EX-TERESINA




Teresina,
A minha,
Essa não há mais.

A minha
Era uma cidade sem cais
Pois essa atual veio depois
Do desaparecimento da Palha de Arroz

A Teresina
Dos Cajueiros
Do Barrocão
Da Maria Tijubina
Essa não mais se mostra à retina

A da Estrada Nova
Da Baixa do Chicão
A da Usina
Não há mais tal Teresina

A da vitamina do Mundico
Do pastel do Gaúcho
E a do Bar Carnaúba
Do programa do Al Lebre
Da crônica do Carlos Said
Das aulas de A. Tito Filho
Das agências da Saraiva
Do teatro de Santana e Silva
Das raparigas do corso

De tudo que já foi
Resta a cajuína
E uma nova Teresina
Que nunca termina
E constantemente nos ensina
A ter o seu amor como sina



Climério Ferreira
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

11.11.11

TER-TE TERESINA


para manuel avião, nicinha e bibelô


ter-te
ter a sina da dívida
que tenho contigo
de não te devolver o amor que tens em mim

na marca dos quintais,
do cais do rio, do mercado,
o bolo-frito com café preto,
o troca-troca das bicicletas, dos passarinhos
trocar olhares na Praça Pedro II
até às nove horas,
depois descer a velha rua Paissandu
de romances venéreos,
aventuras nos seriados do cinema
e nas tertúlias do Clube dos Diários...

ter-te
ter a sina dividida
que tenho o castigo
do filho ingrato que mais usufruiu o teu caminho
na marca dos quintais
do beira-rio, do pecado,
Maria Izabel e o segredo
no troca-e-rouba um beijo, a flor dos descaminhos
roubar pitombas nos quintais
após às nove horas,
depois descer à Palha de Arroz
em encontros etéreos,
princesa dos rios de alfazema
não-se-pode um cavaleiro solitário...
ter-te
ter a sina dividida na dívida
personagens de tuas ruas,
muito mais te deram na tua tua construção
(sem nada em troca)
do que eu, que muito te tenho em mim...



em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão