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2.12.15

PALHA DE ARROZ




Capítulo XXXVII


[...]

Pau de Fumo ouviu toda aquela conversa do Comissário que dizia falar também pela boca do Delegado e do Chefe de Polícia. Ficou com água nos olhos e uma coisa apertando-lhe as goelas por dentro. E com vontade de perguntar como era que se deportava um brasileiro para outras terras também dentro do Brasil. O que significava aquilo? Exílio? Asilo! Banimento? Que Direito Interestadual seria aquele?! Aquilo não era nada mais nada menos do que safadeza. E por que não deportavam também Ceiça e os meninos?! (Por causa deles que roubava).

Em todo caso, ficar calado seria melhor. Bem conhecia de perto aquela polícia Civil.

— Seu Epitácio, eu quero ao menos permissão para me despedir da família.

— Que família, negro safado! Onde foi que já se viu um ladrão de sua estampa ter família?!

E os guardas riram a valer.

— (Miséria! Homo stupidus! Único animal do mundo que ri e chora. Chora infeliz! Ri, miserável! Chora das tuas desgraças! Ri das misérias dos outros!)



Capítulo XXXVIII


Lá se vai ele escoltado rumo Estação do Trem! Como estaria Ceiça àquelas horas? Os meninos... ?

O trem apitou. A mesma máquina velha, uma das mais antigas de todo o Brasil (do tempo de Mauá). A mesma que um dia levara seu amigo Parente para outras terras.

Lá se vai embora o negro Pau de Fumo! Num vagão de terceira classe. (De terceira não, que uma imundície daquelas não era classe nenhuma).

O trem apitando, mas não era o mesmo apito do dia da despedida de Parente. D modo algum nem de longe parecia com despedida de quem parte para outras terras. Parente um dia podia voltar. Ele, nunca! Era assim como se uma despedida eterna, - deste para o outro mundo. Ainda mais que o sino da viatura badalando. Como se fosse dobres de finado. Também lhe recordando os alarmes nos incêndios.

Seria que os demais planetas fossem também habitados?! Seriam tão desumanos quando aos da Terra seus habitantes? Haveria algum fundamento nas deduções de Flamarions e outros astrônomos? As fogueiras de Marte... Astronomia... Mecânica celeste...

Que saudade do colégio! Que vida aquela sua! Genoveva, Zefinha, Ceiça, os meninos... Maria Preá, 
dr. Leovigildo, a mulher dele... professor Cagliostro, Teresa Caga-no-caneco, Zefa Traíra, Chica Pote, Maria Sapatão...

Assim num momento, toda sua vida passando em seus sentidos como se uma gravação.

Pôs a cabeça a uma janela. Tudo escuro ainda. Mas sentia como se os vagões se retorcendo como um monstro pré-histórico nas curvas dos trilhos.

Que saudade dos tempos de estudante!

Seriam habitados os outros planetas? Na certa!

Noite ainda. Perto da ponte metálica do Parnaíba velho, pelejava mas não podia ouvir a cantoria dos sapos. Naturalmente que eles ainda estavam cantando, que o dia não havia ainda amanhecido. Mas o diabo do ruído do trem não deixava ninguém ouvir outra coisa. Mas sentia, perfeitamente, que àquela hora, com tudo ainda em plena escuridão, os sapos ainda estavam cantando. Cantando de fome. Fome de luz, que o dia não havia amanhecido. A luz ainda não havia chegado. E mesmo sem ouvir, mas apenas sentindo que os sapos ainda estavam cantando, a recordação dos filhos veio-lhe mais aguda do que tudo que até então sentia. É que cantiga de sapo parece com choro, especialmente com choro de menino que chora de fome. Decerto que àquela horas seus filhos estavam chorando. Ceiça também. Também eram sapos. Eles sapos pequenos, ela sapa velha. Sapos que choravam de fome. De fome, porque não havia ainda luz na terra. E também com pena do sapo velho dono da casa que partia. E este era que estava com fome de verdade. Fome de barriga. Fome de justiça. E a zoada do trem dizia direitinho:

— Tô com fome! Tô com fome! Tô com fome!



em Palha de Arroz (trechos),
Teresina: Oficina da Palavra, 2004, 4ª edição
Fotografia via blogue ÁgoraDaTaba

6.4.14

"o amor se instalou", Renata Flávia


o amor se instalou
embaixo da ponte metálica
fugiu de todas as cores holofotes e estradas
disse ser contra o mirante, o elevador e a escada
preferiu ficar no velho esquecido
do que ter o peito partido
em bamba estaiada.


Renata Flávia
enviado pela autora

22.10.13

AVIÃO




- Paizinho, me conta uma história.

- Era uma vez um doido muito bacana chamado Avião.

- Avião por quê?

- Ele vivia imitando barulho de avião. Assim: ãoãoão. E, com o braço, fazia acrobáticas piruetas, como se fosse um de verdade.

- Que legal! Que mais ele fazia?

- Ah, gostava de distribuir brinquedos para as crianças.

- Um Papai-Noel?

- Sim, o mais bondoso e simpático que já existiu.

- Você ganhou presentes dele?

- Muitos. Ele andava com um jacá cheio de brinquedo. Quando apontava na esquina da Lindolfo Monteiro, desembestávamos alegres para abraçá-lo. Recebia-nos sempre com um sorriso enorme no rosto. Era o mais feliz de nós todos.

- O que ele dava pra você?

- Bola, revólver, pião, carro, peteca...

- E as meninas não ganhavam nada?

- Claro, elas recebiam boneca, pulseira, casinhas para montar...

- Como ele conseguia todos esses brinquedos?

- Comerciantes do Mercado Velho e redondezas davam para ele.

- Por quê?

- Gostavam dele. Também se não dessem, ele pegava assim mesmo.

- Ele seria capaz disso?

- Claro, o Avião era capaz de tudo para ver uma criança feliz.

- Conta mais sobre ele, paizinho.

- Ele vivia pulando o rio Parnaíba da ponte metálica.

- Não acredito!

- Era sim. Ele dizia ser o Tarzan. Botava uma faca na boca e jogava uma boneca no rio. em seguida, batendo nos peitos e dando aqueles gritos, saltava para salvá-la.

- Que corajoso! Ele não tinha medo de morrer afogado?

- Não, salvar a jovem em apuros era o mais importante.

- Você não falou que era uma boneca?

- Falei sim. Mas para ele, que se achava Tarzan, ela era uma garota que precisava de ajuda. Afinal, para que servem os heróis?

- É mesmo! Agora sei por que você fala tanto nele.

- Ele era meu herói preferido.

- Mas por que você está chorando, paizinho?

- Porque ele traz de volta toda minha infância. Ele era para nós, garotos da Clodoaldo Freitas, uma pessoa muito especial.

- Não é melhor, paizinho, você dormir comigo esta noite?



Wellington Soares
em Por um triz
Teresina: Fundação Quixote, 2007

2.12.12

PONTE METÁLICA, Marcos Freitas


por aquela janela
alto do prédio
viam-se
carros / pedestres
famintos / sedentos
desenfreados
intenso ->vai-e-vem <-
o museu
com sua grandiosidade
em frente - barracas de camelôs
revoada de andorinhas
ao redor das torres do Amparo
anunciando o pôr-do-sol
no Parnaíba - ponte metálica


Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

9.10.11

PONTE METÁLICA, Adrião Neto


Velha ponte metálica
que num fraternal abraço
une Piauí e Maranhão
o trem que te cruza
é mais um fator de integração
entre os dois Estados.
Monumento histórico e paisagístico
não és apenas um cartão postal
que irmana Teresina a Timon
e sim, uma testemunha ocular,
do abandono, do descaso e da agressão
que o Parnaíba vem sofrendo:
seu leito que outrora
fora caudaloso
hoje é apenas um fio de lágrima
da mãe Natureza
chorando sua própria desgraça.
Comovida, pedes socorro
mas ninguém te escuta
enquanto isso, o Velho Monge
no auge da sua caduquice
transforma suas águas em coroas.


Adrião Neto
em Poesia teresinense hoje 
Teresina: FCMC, 1988

29.9.11

TERESINA, V. de Araújo


Teresina:
contornos sensuais, anatômicas formas;
árvores que balouçam, máquinas que trafegam;
firmamento verde, cáustica chapada;
teu anoitecer é como um tapete d'ouro,
linhas energéticas, relâmpago tece...
festival etéreo, canto de pardais.

Teresina:
posto avançado, indômita sentinela;
silo d'esperança, invencível guerreira;
artérias multicores, luminárias vivas;
teus edifícios erguidos, projetos ao vento,
são como velas, ao desafio do tempo,
de velozes jangadas... navegando céus.

Teresina:
(Metálica Ponte, Poti, Parnaíba...);
celeiro de bardos, sinfônica orquestra;
fagueiros meneios, viçosa menina;
teus olhos verdes, no irromper d'aurora,
são como casais que, unidos, oram...
sinos retumbantes, catedrais de fé.


V. de Araújo
Poemágico, a nova alquimia
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985