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24.10.13

TERESINA, William Melo Soares




Os meninos da lucaia
cedo aprendiam a nadar
quem não engolia piaba
não levava boa sorte
se perdia nos remansos se abraçava com a morte

Os meninos da lucaia, baixa do chicão, cajueiro
eram malinos, afoitos, aventureiros
brincavam de pega-pega
na correnteza do rio
no movimento das águas
heróis errantes
o coração feito de pássaro
voando no horizonte



William Melo Soares
em Congresso das Águas
Teresina, 1998

15.4.12

TRISTEESINA




luzes azuis cal-
                      cinantes
Vermelha
Cajueiros
Buraco da Velha
Baixa do Chicão
Barrocão
bairros da zona sul
       - de minha infância ...
tapete quadriculado
ruas planejadas na
                Chapada do Corisco:
risco vento balão de São João...
ruas de ruas
                        barros
                                     rocas
 caminhos
                    feitos
                                  (des)encontros
meta-
               morfoseados:
                                            tristes
                                                           resina



Marcos Freitas
em Urdidura de sonhos e assombros
Poemas escolhidos (2003 – 2007)
Rio de Janeiro: CBJE, 2010

2.2.12

MOROU (OU TÁ-NA-BOCA), Fontes Ibiapina


(Era o que ele - o tal fantasma dizia à pessoa que com ele se encontrava)


Que seja de nosso conhecimento, trata-se do mais recente fantasma que perambulou pelas ruas da nossa "Cidade-Verde" como disse Coelho Neto - Teresina. É pois, o caçula da nossa prole de duendes de nosso mundo de crendices  e superstições. Surgiu nas eras de 50 (entre 1956 e 1957). Durou pouco tempo. Pastou apenas pelas ruas do bairro Vermelha. Quando muito, ia até os Cajueiros. E só. Apenas  e tão-somente por estes dois subúrbios. Isto se deu quando estava em voga o dito morou!, bem como aquele outro - tá na boca! Então, a tal estória surgiu. Surgiu e ganhou terreno, se bem que haja durado pouco tempo, coisa de dois anos ou menos.

Durou pouco tempo, mas foi gastante comentado o tal Morou (ou Tá-na-Boca).  Comentários e mais comentários apareceram a tal respeito. Conta-se que era um bicho do tamanho mais ou menos de um carneiro grande, cabeludo, semelhante ao Lobisomem. Sempre aparecia, pela madrugada, às pessoas que transitavam, àquelas horas, pela Vermelha - especialmente Baixa do Chicão, rua da Macaúba, setores da Usina. Assombrou muita gente. Pintou o sete e bordou os canecos em suas andanças de assombramentos. Aparecia e avançava para a pessoa e, naquela sua voz rouca, grossa e escabrosa e com muita ênfase, dizia:

- Morou, Tá na boca!

A pessoa corria em disparada, porque o negócio era mesmo feio e escabroso. Aí ele acompanhava a pessoa até as proximidades de casa, repetindo aquele palavreado seu:

- Morou, Tá na boca!
- Morou, Tá na boca!
- Morou, Tá na boca!



Fontes Ibiapina
em 145 anos: Teresina cidade futuro
Teresina: FCMC, 1997

23.12.11

EX-TERESINA




Teresina,
A minha,
Essa não há mais.

A minha
Era uma cidade sem cais
Pois essa atual veio depois
Do desaparecimento da Palha de Arroz

A Teresina
Dos Cajueiros
Do Barrocão
Da Maria Tijubina
Essa não mais se mostra à retina

A da Estrada Nova
Da Baixa do Chicão
A da Usina
Não há mais tal Teresina

A da vitamina do Mundico
Do pastel do Gaúcho
E a do Bar Carnaúba
Do programa do Al Lebre
Da crônica do Carlos Said
Das aulas de A. Tito Filho
Das agências da Saraiva
Do teatro de Santana e Silva
Das raparigas do corso

De tudo que já foi
Resta a cajuína
E uma nova Teresina
Que nunca termina
E constantemente nos ensina
A ter o seu amor como sina



Climério Ferreira
em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

29.10.11

BAIRROS DE TERESINA: I - CAJUEIRO, Jônatas Batista


É, talvez, o bairro mais alegre de Teresina.

Quando "Dona Tristeza", no seu penoso lidar, vai espalhando por todos os recantos da velha Chapada do Corisco, carradas de bocejos e cargas de espreguiçamentos, o pessoal dos Cajueiros dança, folga e se diverte a valer.

Nas noites de sábado, então, é um gosto a gente passear pelas ruas tortuosas do ensombrado teresinense. Cinco, oito, dez, doze saraus, pelo menos!...

Também é a coisa mais fácil deste mundo promover uma destas festas, umas dessas importantes soirées, a que o povo dá o título humilhante e expressivo de forró. É assim: três ou quatro pares, um tocador de harmônica ou sanfona, umas três garrafas de aguardente e o clássico e infalível e obrigatório panelão de panelada, a ferver, mesmo a um canto da pequena sala onde se dança, fazendo, com o seu bufar constante, um insuportável dueto com as notas enfadonhas da orquestra reles. Nada mais. Está feita a festa; está pronto o baile!... E assim, os bem aventurados habitantes dos Cajueiros - a república independente - como eles envaidecidos denominam o seu bairro, passam "vida santa e milagrosa", dançando, comendo panelada, fumando, bebericando aguardente, até alta madrugada, quando a festa não é interrompida no meio, por algum ruge-ruge de cacetes, ou tilintar de punhais...

Não raro, alguém se lembra dos velhos tempos e, então, o samba - o samba como outrora se fazia - impera, vaidosamente, por algumas horas, em pleno coração do alegre e pouco reconhecido recanto teresinense.

"Nas cordas desta viola
Vive um canário a chorar...
Saudade de quem se foi,
De quem não torna a voltar..."

E a viola soluça, geme e ri, enquanto uma nuvem de fina poeira se eleva no ar, ao doido sapatear de cabras turunas e morenas formosas.

É ali, nos Cajueiros, muito perto da nossa bem amada "cidade verde", que a gente tem a impressão de estar a duzentas léguas de Teresina, no centro dos sertões piauienses, onde a bucólica e feliz simplicidade dos corações se junta, se irmana, num abraço estreito e carinhoso à alegria estonteante e provocadora das almas despreocupadas. Não fosse o soldado de polícia, um tão assíduo frequentador daquelas rodas, e a impressão seria ainda mais perfeita, mais completa.

"Minha viola de pinho
Tem alma e tem coração,
Tem amor e tem carinho,
Tem canseira e tem paixão".

Oh! Os cajueiros... Como todos os bairros que se prezam, ele tem também a sua história própria, as suas lendas, as suas superstições.

Ainda há bem pouco tempo, o velho Chicão, um feiticeiro afamado daquelas bandas, contava-me um fato curioso e interessante, a propósito dos "anjinhos" - o abandonoado cemitério onde eram sepultadas todas as crianças que morriam naquelas redondezas, sem nenhuma das formalidades exigidas por lei.

- Mas como foi lá o caso do pagão? Perguntei ao preto velho que me deixara entrever, através de suas reticências e meias-palavras, alguma estória assombrosa, inconcebível.

- Foi assim patrão...

E começou:

- A Mariazinha era mesmo uma cabocla de fazer água na boca... Bonita até ali... Não fosse a bondade que sempre me carregou, a gente poderia bem compará-la a Nossa Senhora de Lourdes. Ela, porém, sempre orgulhosa, nunca fez parte do povo da sua laia. Queria ser muito boa, muito fina, e só dava ouvidos aos brancos, aos mocinhos de gravata e correntão. Até mesmo o Zeca Pagodeiro, seu parente perto, rapaz trabalhador e valente, que tanta vontade tinha de casar com ela, nunca foi assuntado. Vai, se não quando começou a passear, por estas bandas, o seu Joãozinho, do coronel Tavares. Era um rapagão bonito, de olhos azuis e cabelos louros. O namoro foi logo rasgado e sem mais cerimônias. Abraços, boquinhas, apertos de mão eram cousas que eles trocavam para todo mundo ver, sem vergonha e sem acanhamento. Em pouco tempo já o povo murmurava que a Mariazinha estava pejada... A velha Miquelina, em casa de quem foi ela pedir uns tamarindos verdes, foi a primeira a dar com a língua nos dentes. Uma cousa eu mesmo notei, e foi que a Mariazinha andava triste, amarela, com os olhos fundos, e tão esquecida de tudo, como se não fosse criatura viva. Seu Joãozinho já lá se tinha ido pra estranja, ela própria me contou, uma tarde, sentada aí na raiz deste cajueiro, onde o patrão está encostado. Foi acabar os estudos, se formar em doutor. A pobre rapariga cada vez se amofinava mais. Uns diziam que era de saudade do namorado, outros afirmavam que era mesmo filho... O tempo foi passando; o povo foi esquecendo; já ninguém falava mais em tal cousa quando, numa noite, ouviram-se gritos medonhos, uns gritos feios que faziam levantar os cabelos e apertar o coração. Correram todos; e também corri... Era a Mariazinha quem gritava, como uma doida varrida, estirada-no chão, a estrebuchar, com os olhos vidrados: "Meu filho! meu filho!!... não foi batizado... Está aqui chorando...". E apontava para o canto da casa, que é justamente onde hoje é o cemitério. A criança (neste ponto o preto velho tossiu, tomou fôlego) chorava como se estivesse morta de fome...

 - Que criança?

 - O filho da Mariazinha, o que ela havia morto ao nascer, e enterrado sem que ninguém soubesse.

E reatando a estória:

 - Ninguém viu o menino, mas o choro, que vinha do fundo do chão, toda gente ouviu. Também nunca vi tanto medo. Ninguém quis se aproximar. Eu fui me achegando e, assim que acabei as palavras: "Manoel, eu te batizo, em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo", fazendo, com um ramilho verde, uma cruz mesmo em cima do lugar, o choro acabou de vez...

- E a Mariazinha: - perguntei curioso.

- Morreu daí a três dias, espumando pela boca que parecia (Deus me perdoe) uma cadela danada.

- E depois?

 - A casa caiu; A velha Ricardina, a mãe da outra que estava entrevada há muitos anos, também morreu, e o povo passou a enterrar os inocentes neste lugar. Por isso é que ainda hoje se chama "anjinhos".

 E o velho Chicão se despediu, e lá se foi, rumo a sua toca, transferida para a Vermelha poucos dias depois daquela noite mal assobrada...

Como vêem, os Cajueiros tem também a sua poesia, a sua lenda, aliás bem interessante.

(Do "Correio de Teresina", de 21-07-1913)


Jônatas Batista
em Prosa e Poesia 
Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985