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22.10.18

campeador, Graça Vilhena


era maio na cidade
quando ele chegou de manso
ouviu o rio e as moças
que desciam em correnteza
pro seu peito sonhador

e campeou os desejos
com força de vencedor
sem esquecer a lição
que a terra seca ensinou

ah campeador, campeador
que tem por sina entender
o destino das palavras
e a mulher do seu querer

e nesse teresinar
cresceu o seu amanhã
onde cabem agasalhados
amigos que são irmãos.


Graça Vilhena
Poema-prefácio do livro
Pétalas, uma antologia poética, de Cineas Santos
Oficina da Palavra: Teresina, 2010

22.10.16

AINDA TERESINA, Cineas Santos


Para Paula Danielle


Ainda não é uma cidade grande, graças a Deus! Ainda há quintais, mangueiras, passarinhos e meninos para persegui-los. Ainda se vêem pipas bailando no azul das tardes de maio e, nas manhãs de agosto, ipês derramam ouro nas calçadas. Ainda persiste o costume da cadeira na calçada e aquela conversa espichada de quem espera a brisa que ficou de vir lá do litoral. O Mercado Central, com o seu cheiro inconfundível, resiste. Lá é possível comer uma autêntica dobradinha, tomar uma talagada de cana com casca de angico, consultar um raizeiro ou "tirar um retrato" no lambe-lambe. Um pouco mais adiante, impera o Troca-Troca onde, com paciência e muita lábia, pode trocar-se quase tudo, inclusive uma de 40 por duas de 20, desde que entrem alguns caraminguás na transação.

A cidade ainda é reconhecível apesar dos esforços dos que tentam, a todo custo, desfigurá-la. Ainda existem os rios e os que vivem dos rios: pescadores, lavadeiras, canoeiros. No Encontro das Águas, por alguns centavos, meninos entanguidos recontam, à sua maneira, a lenda do Cabeça de Cuia, nunca esquecendo de trocar o verbo comer por devorar. Segundo eles, "comer virgem é prosa". Ainda persistem, nos subúrbios, práticas bem nossas como a de afixar na parede frontal da bodeguinha a placa: É AQUI O FULANO. A simples menção do nome do proprietário é uma espécie de garantia da qualidade do que se vende ali. Nos letreiros das fachadas, escancara-se a megalomania enrustida: há "reis" para todos os gostos. REI DO FRANGO, REI DOS FREIOS, REI DOS ESTOFADOS, REI DOS PARAFUSOS, REI DO TUCUNARÉ e até um inusitado REI DO TAMBAQUI ASSADO. 

É certo que o espectro da violência já ronda a cidade, mudando hábitos antigos. Mas persiste o costume (tão nosso!) de pedir "emprestado" uma colher de pó de café, uma xícara de açúcar, dois dentes de alho, com o compromisso tácito de nunca pagar. Ainda há fuxico, brigas de vizinhos, gestos de solidariedade, grandes cumplicidades e toda essa teia tênue que dá consistência ao tecido comunitário. Ainda há um geito teresinense de ser.

Mas há outra cidade que desponta veloz, que se verticaliza como se quisesse distanciar-se de tudo que lembre a província. É a cidade dos edifícios com nomes de celebridades; dos que tem os pés aqui e a cabeça em Miami; dos que não vivem sem a presença do celular; dos que só circulam à noite; dos que fazem grandes negócios; dos que ignoram a lei; dos que nada temem; dos que metem medo, dos que, tendo nascido aqui, não sabem exatamente onde fica Teresina.

Impedir que essa cidade veloz e voraz engula a cidadezinha que se fez com trabalho, sacrifícios e ternura é tarefa inadiável. é preciso mostrar aos bem-nascidos, aos alpinistas, aos emergentes que há espaço para todos: para o Teresina Shopping e para o Mercado do Mafuá; para o Tarrafa's e para o Restaurante da Tijubina; para o Garden e para o Cabaré da Pretinha; para o Ensaio Vocal e para a Maria da Inglaterra, com o seu famoso "Estrela de Luzilândia", o único conjunto do mundo capaz de acompanhá-la, ou melhor, de persegui-la.

Que a cidade cresça, prospere, se modernize, mas sem abrir mão do que tem de melhor: a generosidade com que acolhe a todos, como acolheu, numa remota manhã de maio de 65, este cronista de meia-tijela que está fazendo todos esses volteios apenas para dizer o óbvio: TE AMO, TERESINA.

Jornal MN, 2000

em As Despesas do Envelhecer 
Teresina: Corisco, 2001

31.3.16

PORTAL DA CIDADE, Cineas Santos




Portal da cidade, a Praça Saraiva era o desaguadouro natural dos que chegavam a Teresina na década de 1960. Paus-de-arara, mistos, jardineiras despejavam passageiros empoeirados e sonolentos no meio da praça, enquanto os chapeados disputavam, no grito, a bagagem dos que tinham algo a transportar. Mocinhas ágeis e prestativas se prontificavam a levar o “chegante” à “pensão mais em conta”, nunca esquecendo de garantir ser o estabelecimento  “um ambiente totalmente familiar”. Quem vinha a negócio fretava carros de aluguel (jipe, rural-willys), mais pose que necessidade, já que as distâncias a percorrer eram pequenas. Os que necessitavam de cuidados médicos, quase sempre muito pobres, armavam redes sujas nos galhos das árvores em busca do refrigério da sombra. Os que vinham tentar a sorte – náufragos e deserdados – limitavam-se a zanzar a esmo como moscas tontas.

A praça era uma imensa feira livre onde se vendia quase tudo: de animais vivos a óleo de puraquê, “a farmácia que o freguês carrega no bolso”, garantiam os camelôs. Sem maior esforço, podiam-se encontrar ali especialistas nas mais diversas atividades: borracheiro, barbeiro, soldador, amolador de tesoura, cozinheiro, raizeiro, vidente e benzedor, sem contar a legião de marreteiros e descuidistas, prontos a engrupir os desavisados. Pedintes de todas as idades esparramavam-se no chão, recitando desgraças “de cortar coração”.

Numa manhã esplendente (2 maio de 1965), despejaram-me na Praça Saraiva. A poeira da estrada embaçava-me a visão e o medo latejava em cada milímetro do corpo. Por intuição, percebi o que me esperava: fome, indiferença, solidão. Uma cigana decrépita, cheirando a sarro de cachimbo, prontificou-se a ler-me a mão, mas uma das “agenciadoras de hóspedes” foi mais rápida e me arrastou para a Pensão Nova, na Paissandu. O cartão de visitas da pensãozinha era um inconfundível cheiro de urina que se fazia anunciar na calçada. Na portaria, um negro velho, com ar de mãe preta, fazia as honras da casa. Foi direto e conciso: “O pernoite, com direito a café da manhã, custa dois cruzeiros. Pagamento adiantado”. De posse do dinheiro, desmanchou-se em mesuras: “Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Eu sou que nem téu-téu: não durmo nunca!” e piscou, malicioso…

À noite, enfurnado num quartinho escuro e quente, sob o fogo cerrado das muriçocas, eu nem suspeitava que aquela ruazinha de aspecto sórdido fosse o caminho mais curto entre o Clube dos Diários e o prazer. Estrela, Fascinação, Amambay… Proxenetas, cafetinas, prostitutas, tangos, rumbas, boleros, perfume barato, bebida “batizada”, estrias camufladas, boêmios, bêbados, pedintes. A dois quarteirões da pensãozinha ordinária, diluíam-se todas as fronteiras. A Paissandu era o único espaço democrático da cidade: bem-nascidos e bundas-sujas dividiam, equitativamente, generosas rações de sífilis…

Aos poucos, a cidade mostrava suas múltiplas faces. Em meio às agruras, alguns encantos: o Parnaíba, o verde, as mulheres. Eu vinha de uma terra sem rios e sem lembranças de rios. Ver tanta água fluindo rumo ao desconhecido me pareceu um desperdício. O verde dos quintais me enchia os olhos: “um oásis sem deserto”. Quanto às mulheres… por elas, fiquei e não me arrependo. Com o tempo, a cidade foi-se adonando de mim, até me fazer esquecer que um dia morei em outro lugar. Teresina me basta.



Cineas Santos
Crônica de abertura de TERESINA PARA AMADORES
Livro ainda no prelo

3.2.15

HINO DE TERESINA


Risonha entre dois rios que te abraçam,
Rebrilhas sob o sol do Equador;
És terra promissora, onde se lançam
Sementes de um porvir pleno de amor.

Do verde exuberante que te veste,
Ao sol que doura a pele à tua gente,
refulges, cristalina, em chão agreste;
Lírio orvalhado, resplandente.

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!

O nome de rainha, altivo e nobre,
Realça a faceirice nordestina
Na graça jovial que te recobre,
Teresa, eternizada TERESINA!

Cidade generosa- a tez morena,
Um povo honrado, alegre, acolhedor;
A vida no teu seio é mais amena,
Na doce calidez do teu amor

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!

Teresina, eterno raio de sol
Manhãs de claro azul no céu de anil;
És fruto do labor da gente simples,
Humilde, entre os humildes do Brasil!

"Verde que te quero verde!"
Verde que te quero glória,
Ver-te que te quero altiva,
Como um grito de vitória!


Cineas Santos
Letra do Hino de Teresina/PI 
Conforme Lei n° 2.408 de 14.07.95, 
Que “Institui o concurso para escolha do Hino Municipal de Teresina”


11.11.13

A MORTE E AS MORTES DE ZÉ MAGÃO


Numa manhã de cristal (ou teria sido numa tarde de chumbo?), dessas que só ocorrem em Teresina, Zé Magão arribou da cidade e foi garimpar incertezas em Santarém. Zé, senhor dos subúrbios de Teresina, embrenhou-se no cipoal de um mundo desconhecido, armado de serra, bigorna, maçarico e poesia. Deixou para trás versos tresmalhados, dívidas miúdas, saudade roendo o peito dos amigos. Soverteu: tornou-se incerta a notícia. Vez que outra, um garimpeiro, um mascate, um peregrino apontava por essas bandas, trazendo a má notícia: "Zé Magão morreu". Ora morrera de malária, afogado, assassinado; ora, picado de surucucu, soterrado num garimpo, de causa não sabida. Velório sem defunto, os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos nas ribanceiras do Poti, bebiam cachaça, choravam tristeza. Na semana seguinte, a boa nova: um certo indivíduo, com jeito de tuiuiu (misto de Zé Ramalho com Gonzaguinha) fora visto num boteco da periferia de Santarém recitando versos para a lua. Não havia dúvida: Zé Magão estava vivo. Os amigos reuniam-se, recontavam casos acontecidos na coroa do Parnaíba, bebiam cachaça e choravam alegria. Mas quem era mesmo esse Zé Magão de tantas mortes anunciadas? Consta que se chamava José Ribamar Ribeiro, nascido em Teresina, em 30 de julho de 1950. Aluno de Dona Ditosa, caçador de rolinhas, pescador de mandis, cidadão das ruas. Estudou na Escola Técnica Federal do Piauí, de onde saiu diplomado em topografia: sabia, portanto, onde pisava. Por força da necessidade, se fez mecânico, serralheiro, soldador. Por puro prazer, poeta de versos tortos e humor corrosivo. Andou participando de algumas "antologias" mimeografadas: CARNÊ DE VIAGEM, CORAÇÃO DE DOIS TEMPOS, DANÇA DO CAOS, TOPADA, POESIA LIVRE. Em 86, publiquei, pela Coleção Folhetim, um poema seu "OS CAMELÔS", paródia do hino nacional, tendo com pano de fundo o universo dos ambulantes, camelôs e desocupados que entopem as ruas de Teresina. O livrinho, ilustrado com as fotos da Rosinha, percorreu ruas, becos e bares da cidade, conforme convinha a um poeta do naipe do Zé Magão. Por algum tempo, as notícias cessaram. Eis que, na semana passada, pela boca do poeta Menezes y Morais (quem também já esteve morto) chega-nos a notícia da última morte do Zé Magão. Foi aí que, entre comovido e indignado com Deus, lembrei-me daquela passagem terrível do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, quando Jesus, pronto para ressuscitar Lázaro, é impedido de fazê-lo por Maria Magdala (Madalena) com um argumento irrefutável: "Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes". Para mim, vivo ou morto, Zé Magão sempre será o poeta que, com extraordinário poder de síntese, disse a mais bela e dolorosa das verdades: "No coração/ uma andorinha/ faz verão", na memória, também, Zé.

Jornal MN, 27 de julho de 1997
em As Despesas do Envelhecer 
Teresina: Corisco, 2001

TÃO TERESINA, QUE DÓI, Cineas Santos

Ao poeta Paulo Machado

Era um tempo sem colheita / mas havia a crença:/ viver não doía tanto. Bem que poderia ter sido assim; não foi. Numa manhã de cristal, dessas que só acontecem em Teresina, fui literalmente despejado na Praça Saraiva. Era maio de 65. Nos bolsos, dezoito cruzeiros, uma carta de recomendação, que se revelaria inútil, e um endereço de um quase-parente que jamais procurei. Nos olhos, a poeira da estrada e o espanto diante do novo. No corpo inteiro, o medo latente.

De cara, três surpresas. A primeira, preocupante: a quantidade de carros trafegando nas ruas.. Carecia tomar tento pra não voltar para a aldeia convertido em notícia ruim. A segunda, estimulante: a abundância (taí a palavra adequada!) de mulheres por toda parte. De onde eu vinha, só se via algo parecido no dia da procissão do Padroeiro. A terceira, elucidativa: o Parnaíba. O risco inexpressivo dos manuais de geografia, na verdade, era uma veia aberta, generosa, encharcando de vida a terra, os bichos e a gente do Piauí.

Depois de zanzar por pensões ordinárias, atraquei na UPES (hoje, CCEP) onde já amontoavam outro náufragos. A casa poderia acomodar, com desconforto, dez pessoas. Éramos oitenta! Normalmente, faltava água e não havia um único banheiro, o que na verdade não fazia tanta falta, já que também não havia o que comer. "Deus só dá o frio..."

Desbravar a cidade era um desafio. Na P2, as mulheres, como animais em exposição, circulavam graciosamente. Os homens, mãos no bolso para disfarçar, conferiam, aferiam, faziam propostas. No coreto, a bandinha da PM atacava de dobrados e marchinas, "programa de velho". Na parte alta, recrutas bolinavam curicas. Na Paissandu, a noite nunca envelhecia. Estrela, Amambay, Fascinação: boleros, varizes, cerveja e gonorréia. Eh, Antônio Leiteiro!

No Clube dos Diários, a fina flor da burguesia embalava-se ao som do Barbosa Show Bossa em "tertúlias", onde havia um pouco de tudo: namoros, conchavos, negócios, jogatina. Como um cão de guarda, Marcelino conferia o pedigree de cada novo sócio e escorraçava os indesejáveis. E eu comendo com a testa.

No Carnaúba, homens e ratos disputavam o mesmo espaço, com ligeira vantagem para estes que, na condição de provadores, beliscavam tudo sem pagar nada. No Flutuante, meninos entanguidos e piabas elétricas disputavam migalhas, sob o olhar complacente das lavadeiras seminuas. 

Nos programas de calouros, Ruy - o primeiro cabeludo da cidade - fazia paródias geniais: "Garota de Timon nunca teve vez / Nem que seja bonita / Nem que fale inglês / Lá é tudo tinindo / E quem governa é o padre Delfino". Valdenir, com voz chorosa, cantava "Maria Helena", sempre "a pedidos". Nos saraus familiares, Silzinho e Assis Davys cantavam "Perfídia" com sotaque caribenho.

Nos embalos jovens, Brasinhas, Metralhas, Sambrasa arrepiavam. Luz e cor: calça boca de sino, bota calhambeque, rum com coca-cola, minisaia de napa, milk-shake. Nas mãos afoitas e nervosas, passeavam inicentes baseados. "Me segura que eu vou dar um troço!"

Nas emissoras de rádio, "o mundo em ondas sonoras". A. Tito Filho vertia cultura pelos poros; Ary Scherlock esbanjava glamour; Figueiredo fustigava os desafetos (todo mundo) com o seu Almanaquinho do Ar; Roque Moreira comandava o Seu Gosto na Berlinda; Mariquinha e Maricota estilavam veneno; Al Lebre enchia o saco de meio mundo com seu chocalho madrugador; Deoclécio Dantas e Carlos Augusto vergastavam políticos e delinquentes, e Dom Avelar, com sua autoridade de pastor, apacentava o rebanho com a "Oração por um dia feliz". Tudo tão Teresina!

No Theatro 4 de Setembro, rolava tudo: Maciste, Tarzã, ídios, caubóis, tapas e beijos. No carnaval, realizavam-se os concorridos bailes promovidos pela Prefeitura, com direito a tombos no piso inclinado. Na Semana Santa, a exibição da indefectível "Tragédia do Gólgota" encenada por Santana e Silva. Nas página de O Dia, Fabrício Arêa Leão escrevia crônicas laudatórias em aramaico, enquanto Dona Elvira atiçava a "fogueira das vaidades" dos novos-ricos. Eh, cidade amada!

No Lindolfo Monteiro, Gringo, Vilmar, Evandro e Sima agitavam a galera, enquanto Carlos Said desancava os "energúmenos" em linguagem tão pomposa, que muitos se sentiam lisonjeados. Mas o melhor mesmo era ofender a mãe do juiz, sabendo que ele estava ouvindo tudo. Te segura, Braz!

E tão envolvido estava, que nem me dei conta de que a cidade crescia, inchava; cercada de favelas, prenhe de cursinhos, panificadoras, motéis, templos evangélicos, casa lotéricas, carros importados, mendigos, telefones celulares e o escambau... E aqui estou eu, bestamente, amando essa pobre cidade transitória, como se fosse a mais importante do mundo. E é!


em As Despesas do Envelhecer 
Teresina: Corisco, 2001

PRAÇA PEDRO II, Cineas Santos


Umbigo do mundo
corações e pernas em descompasso
sonhos em ebulição...

Emoções no Rex
conchavos no Carnaúba
negócios no Acadêmico
sabores na Predileta

E os desejos represados
desaguavam na Paissandu
onde a noite não envelhecia.


em TERESINA: Um Olhar Poético
Teresina: FCMC, 2010
Organização de Salgado Maranhão

10.11.13

TERESINA, Cineas Santos


Aos que chegam
(náufragos, arrivistas, mercenários)
a cidade sorri
e finge que se dá
mas que não ouse o estranho
nega-lhe um capricho
desvendar-lhe os segredos
porque então anoitece...
Amante voraz do ócio e da usura
a cidade conhece os seus
(pelo tinir das esporas, pigarro, perfume)
e só a eles se entrega sem reservas.


em Presença da Literatura Piauiense
Luiz Romero Lima | Teresina: 2003

BUSCA, Cineas Santos


caminho pelas ruas de minha cidade
pesa sobre mim o sol de outubro
não tenho pressa nem medo:
conheço todos os becos
__________________atalhos
______________________& riscos
a cidade está vazia de emoções e sustos:
nenhum rastro não conhecido
nenhum crime não consentido
nenhum desejo não controlado
a tarde flui lenta e pegajosa
e o coração alheio a tudo insiste:
busca você

ah meu coração - descarrilhado trem
meu coração é sempre o último a compreender

crimes amarelam nos jornais
desfolham-se girassóis aflitos
pardais tecem a improvável primavera
e a tarde é um convite ao
____________________p
____________________r
____________________e
____________________c
____________________i
____________________p
____________________í
____________________c
____________________i
____________________o

a cidade se veste de noite
navalhas passeiam no ar:
a morte espreita ferofascinante
e o coração alheio a tudo insiste:
busca você
ah meu coração - bandoleiro kamikase
meu coração é sempre o último a compreender

vagueio pelas ruas de minha cidade
e não as reconheço
e não me reconheço
desa (r) mado avesso só
e o coração alheio a tudo insiste
nessa busca - quase desespero
como quem procura reatar o gozo
interrompido entre o flagrante e o tiro
a morte bafeja a noite
e um anjo decaído sentencia:
- é tempo de sofrer sofrer e mais sofrer
até que o corpo frio extenuado
se exorcize de qualquer desejo
e o coração alheio a tudo...


Cineas Santos
em Miudezas em geral 
Teresina: Livraria e Editora Corisco ltda, 1986

Cineas Santos - síntese biográfica




Cineas dasChagas Santos (20/09/1948) nasceu em Campo Formoso, município de Caracol, sertão do Piauí. Poeta, cronista, intelectual, professor, agente cultural, advogado, editor e livreiro. Pertenceu ao Conselho Estadual de Cultura. Desde 1965 vive em Teresina, capital do Piauí, onde desenvolveu trabalho de agente cultural, atuando em diversas áreas, há décadas exercendo atividades no cenário artístico-cultural local. Em 1976/1977, fundou, junto com o poeta Paulo Machado e outros companheiros de geração, o jornal alternativo “Chapada do Corisco”. Proprietário da Corisco (livraria e editora), publicou vários autores piauienses. Professor de Português e Literatura de várias gerações de estudantes piauienses. Foi um dos idealizadores e organizador do SaLiPi (Salão do Livro do Piauí), evento que anualmente reúne livreiros, editoras e público leitor em torno a diversas atividades culturais, palestras, debates, oficinas e exposições. Também é proprietário da Oficina da Palavra, espaço cultural teresinense, e coordenador do grupo A Cara Alegre Do Piauí, projeto de interiorização da cultura – música, literatura e artes plásticas. Autor da letra do Hino oficial de Teresina, em parceria com o músico Erisvaldo Borges, que compôs a melodia. Apresenta (desde 10 de maio de 2009) o programa televisivo intitulado “Feito Em Casa“, sobre literatura, arte e cultura centradas na realidade local piauiense. Bibliografia: Miudezas em geral (poesia); Tinha que acontecer (contos); ABC da ecologia (cordel); Aldeia grande (humor); O menino que descobriu as palavras (infantil); Nada além (poesia) e Ciranda desafinada (infantil), entre outros.