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24.11.17

Vicente Trindade dos Santos e a tradição do VTS, clube de amigos em Teresina, Toni Rodrigues


Ao passar pela rua Riachuelo, praticamente no cruzamento com a Teodoro Pacheco, o caminhante desavisado não perceberá estar diante de um dos mais tradicionais restaurantes de Teresina. Estamos falando do Clube VTS, pertencente ao nobre Vicente Trindade dos Santos. Na verdade, o estabelecimento e seu dono se confundem na preferência da clientela seleta. Aviso aos navegantes: ninguém que não tenha cadeira cativa há mais de cinco anos será atendido sem apresentação prévia e algumas idas como estágio. Outro lado, também não adianta insistir.

Os clientes mais antigos também enfrentam o rigor de seu dono. Seu Vicente não atende sem reserva antecipada. É preciso ligar com pelo menos uma hora e meia de antendência. Ele explica: O preparo é trabalhoso, exige paciência, envolvimento. Não pode ser assim de sopetão. Caso contrário seria apenas mais do mesmo. O peixe pode ser frito ou ao molho. Em qualquer das condições acompanha apenas arroz branco. Se o cliente assim desejar, poderá haver algumas verduras. Apenas o básico.

A rusticidade do empreendimento garante o sucesso. Naquele espaço funcionou inicialmente uma marcenaria. Seu Vicente era, originalmente, marceneiro. Até que adoeceu. O médico que o atendeu recomendou uma dieta a base de peixe e nada de carboidratos. Apenas peixe, pouco arroz, muitas frutas e verduras. Ele começou a fazer para si mesmo. Acontece que a marcenaria era muito frequentada por artistas que traziam seus instrumentos musicais para reparar. Violões, baterias, outros mais.

Dali a mais um tempo virou apenas desculpa para filar a boia de seu Vicente. Ao se dar conta, estava fazendo peixe demais, e doando toda a comida. Chegava um, chegava outro. Fique para o almoço, estende-se a permanência para o jantar. O jeito foi passar a cobrar. Então sua irmã lhe deu uma mãozinha: Por que não monta um restaurante? Ele não teve dúvida de que ali poderia estar o seu destino. A oficina já não apresentava nenhum rendimento. Ou quase nenhum. Fato é que meses depois estava criado o Clube VTS e a clientela original permanece firme até hoje. 

Seu Vicente, para quem não sabe, é um exímio violonista. Toca e canta. Outros também comparecem para tocar e cantar. As serestas ao vivo costumam se estender pelos finais de semana. Há quem diga que estamos diante de um camarada um tanto irritado, sempre de cara amarrada. Mas este é apenas o jeito de ser do nobre amigo. 


Toni Rodrigues

6.4.14

TERESINA (PI), 1º DE MAIO DE 1979, RUA RIACHUELO PRÓXIMO AO CRUZAMENTO COM RUA PAISSANDU





Foi bem aí onde “quebrei o cabresto”,
onde descobri o prazer de “dá nos gosto”.
Foi nesse tempo mesmo, e o templo da Graça
era mesmo nessa rua. Bateu uma saudade da
Graça. Ah! Graça! Inesquecível, Graça!
Precisava nem pagar, e ainda tinha o luxo de ter
“as partes lavadas” com aquela deliciosa água fria
que ficava nas garrafas de vidro ali no canto,
ao lado da bacia de alumínio. - Ela fazia isso com
tanto carinho e destreza - Ainda menino, ficava
“cheio de pernas” quando, de dia, perambulando
pelas ruas da Paissandu, cruzava com a graça e ela
me dizia: vem cá meu menino do “zoim” verde,
deixa eu... e no meu olho ficava o contorno de sua
boca vermelha. Bateu uma saudade! Acho que vou
bater...



Kilito Trindade
em Coletânea Tara
Teresina: 2012

TERESINA (PI), 1º DE MAIO DE 2079, RUA RIACHUELO PRÓXIMO AO CRUZAMENTO COM A PAISSANDU




Não é mais o mesmo temp(l)o
Já não tem a mesma graça
A pele maracurujada
Os músculos obedecendo a gravitonusflacidade
Os pés descalcioficando imóveis
Mas, o fluxo sanguín(e)o lento
ainda chega em suas cavernas

Pega aqui.!. Pega aqui.!. Pega aqui.!.

se em si penso em si falo encéfalo conecta
falo erecta



Kilito Trindade
em Coletânea Tara
Teresina: 2012

6.3.12

O BAR DO PICOLÉ




Na praça do Liceu, esquina da Rua Simplício Mendes com a Desembargador Freitas, havia o bar onde se fazia o melhor picolé da cidade. Tão natural que vinha o resíduo da própria fruta. Diferente daqueles preparados com água e um pozinho colorido, vendidos nas ruas ou no Lindolfo Monteiro em dia de jogo. O cara gritava picolé de tamarindo e, quando se ia ver, era gelo puro. Da fruta mesmo um sabor distante, pra lá de Timon.

A mulher que atendia ao balcão era pequena e magérrima. Tinha feições de índia e, nos olhos, uma tristeza que causava pena. Não ria, nem falava. Recebia o freguês sem um obrigado. E movia-se devagar como se carregasse um fardo de toneladas.

Por essa época, Milton Rodrigues ainda namorava a tia Aradi - namoro arrastado, sem fim. Ele costumava aparecer lá em casa duas ou três vezes por semana, sempre depois do jantar, para marcar ponto. Os dois colocavam as cadeiras de cipó no corredor que dava para a rua e ficavam sentados, com intervalos de silêncio, como se não tivessem mais nada o que dizer um ao outro. Asseguram que isso é normal em longo relacionamento dessa natureza. Às vezes, ele levava o violão e dedilhava notas desencontradas e trechos de canções românticas, que ela ouvia atenta com aquele olhar de apaixonada, sonhando com o casamento - que viria oito anos depois. Mas sua presença me agradava, especialmente, quando me mandava buscar picolés, que eu trazia numa vasilha de alumínio, com os dedos das mãos enrijecidos. Valia, pois na distribuição minha cota era maior.

Numa dessas noites, tia Aradi comentou que a mulher do bar estava tuberculosa. Conversa que ouvira no trabalho. A partir dali não se compraram mais picolés. Foi o fim das farras que Milton patrocinava, sem exibição. Havia preconceito contra essa doença. Ai de quem a portasse. Estaria condenado à segregação, ao degredo domiciliar. A família isolava seu doente num cômodo de onde jamais sairia. Ali aguardava a morte, às vezes antecipada pela solidão.

O teresinense nunca foi de medo. Criado entre trovões e coriscos, aprendeu cedo a tocar a vida, com coragem e cabeça empinada. Mas, quando se tratava de tísica, ele pensava duas vezes. Até mais. E exagerava nas precauções.

Tio Olinto assimilou esse hábito. Chegado do Maranhão, entrou em pânico ao saber que a casa que alugara havia sido ocupada por um homem devorado pelos bacilos de Koch. Não houve quem o tranquilizasse. Nem o senhorio afirmando que pintara a casa com cal e a desinfetara com creolina. Desfez o contrato e alugou outra na Rua Riachuelo.

Boato espalha-se mais que fogo em palha seca de carnaúba. A história da tuberculose na mulher ocorreu e afugentou os fregueses. Chegou o momento em que não havia mais o bar, nem a mulher, nem os picolés.



José Ribamar Garcia
em Imagens da Cidade Verde
Rio de Janeiro: Litteris ed, 2008